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BEATRIZPERRONE-MOISÉSFESTAEGUERRATese apresentada ao concurso de títulos e provasvisandoaobtençãodoTítulodeLivre-DocenteÁrea:EtnologiaAmeríndiaDepartamentodeAntropologiaFaculdadedeFilosofia,LetraseCiênciasHumanas.UniversidadedeSãoPauloSÃOPAULO2015versãoemprocessoderevisão–setembro2018 2 Emoutubrode2010,naaldeiaBona,nomédioParude Leste (PA),Merekuku Apalay, às voltas com ospreparativos de uma festa de que aceitara aincumbência, presenteou-me com a observação deque "dono de festa é como chefe". Foi dessailuminação que brotaram, uma após a outra, emcadeia, as ideias expostas neste ensaio, dedicado aMerekuku e a sua esposa Xihpatae, anfitriõesexemplares. 3 ÍNDICEApresentação 4Ajustedevocabulário 9Oportuguêsdosíndios 18Masquefestaéessa? 22PorquerelerClastres 32Chefeanfitrião 36Avidaentrefestaeguerra 50Anfitriõeseguerreiros 61Turmasdefesta,turmasdeguerra 74Aberturaparaoevento 80Sociedadescontraaeconomia 82Devoltaàpolítica–anossa 86Alegria,alegria! 93Bibliografia 102 4 APRESENTAÇÃOO conjunto de percursos de pesquisa que desemboca neste ensaiopoderia ser apresentado como uma aldeia timbira. Ao longo dos anos tenhotrilhado diversos caminhos, correspondentes a viéses de análise, ou questõesperseguidas,todosembuscadoqueseriaapolíticaàmodadospovosnativosda América. Retomei as clássicas perguntas quanto à “filosofia da chefiaindígena”, como a chamou Clastres, impulso e companheiro de trajeto;indagueicasoshistóricosdechamadasconfederaçõesemconjuntocomosditoschiefdoms, transitando por classificações utilizadas por antropólogos,arqueólogosehistoriadoresparadesignarsistemaspolíticosnaAmérica;numplano mais abstrato, propus (Perrone-Moisés 2011) buscarmos os “termosameríndios da política”. Estudei também relações de guerra e aliança entreeuropeus e índios no período colonial, sob vários aspectos, enquanto outroscaminhoseparagenseramexploradosporalunosecolegas1.Comoseotemadas“políticas”dosíndiostivessesidocercadodevárioslados,partindoacadavezdeumpontoligeiramentedeslocadoemrelaçãoaosdemais,eisque todososcaminhosdepesquisa trazem-meaopátio, “salãodefesta”,comoofazemoscaminhosradiaisdasaldeiastimbira.EncontraraFestabuscando a “política” me fez pensar em “A carta roubada” de Poe. Afinal, opotlatch, evento político ameríndiomais conhecido e estudado, é uma festa,assim como o mais conhecido e estudado evento ameríndio em territóriobrasileiro,okwarup.Ofamoso“ritualantropofágico”tupiétambémumafesta.Todaselaboradaseespetaculares.Não por acaso, as Mitológicas começam pela culinária (nos doisprimeirosvolumes),passampelosbonsmodos(noterceiro)eculminamnum 1Aprimeiraversãodeste texto foiapresentadacomorelatório final individualdepesquisanoâmbitodoProjetoTemático“Redesameríndias:geraçãoetransformaçãoderelaçõesnasterrasSobre chefes e Clastres, Perrone-Moisés (2010, 2011); o chefe sem poder e a obra de Clastresforamobjetodeumacomunicaçãoem2003,intitulada“Filosofiadachefiaindígenarevisitada”,apresentada na V Reunião de Antropologia do Mercosul, em Florianópolis. Sobreconfederações, cacicados, classificacões, Perrone-Moisés (2006a, 2008b) e Perrone-Moisés &Sztutman (2010), dedicado aos Tamoio; sobre relações de aliança e guerra entre europeus eíndiosentreosséculosXVIeXVIII,Perrone-Moisés(2008a,2013,2014). 5 volume,Ohomemnu,quetemportemacentralas“grandestrocasintertribais”.Ou seja, as grandes festas anuais, em que vários grupos se apresentavamdançando,cantando,competindo;aspessoasconversavam, trocavamnotícias;compartilhavam comida, tabaco e bebida; reviam amigos, faziam novos,perdiam-nos; namoravam, arranjavam casamentos, provocavam divórcios;trocavam presentes. Os chamados pow-wows ainda são realizados em toda aAmérica do Norte. Atualmente há prêmios em dinheiro para os melhoresdançarinos,divididosemváriascategorias.Asespecialidades–matérias-primas,objetos, culinária - de cada grupo, antes trocadas como presentes, agora sãovendidas.Maspermanecemsendoocasiõesdegrandesencontrosentre índiosdediversasnações,comotaisprezados.Todos esses eventos capitais da vida social dos índios têm sidosubmetidosaomoldeobviamentedesconfortáveldo “ritual”.São festas,assimdenominadas em português por índios lusófonos com notável regularidade.Propõe-se aqui tratá-las (nos planos descritivo e analítico) como tais.Banquetes, gentilezas, presentes, bem como diálogos (ditos cerimoniais),competições (ditas rituais), cantos e danças não são "acompanhamento" ou"expressão" de Sociologia ou Política ou Religião, são os componentes, emconjunto,dafeituradepessoase(m)grupos.Essasatividadescompõem,fazem,o que vemos (e distinguimos) como comunidades sociais, políticas oureligiosas.Osrecortessãoimpróprios.Nasfestasdosíndios,semprehágentesdeoutrosplanos,masnãoédecultoquesetrata.Emlugarde"circulaçãodebens", nessas "sociedades contra a economia", trata-se mesmo é de gasto eesbanjamento.Énasfestasqueagenerosidade,qualidademaisvalorizadaportodos os povos indígenas das Américas, tem sua expressão mais plena eespetacular,gerandoprestígioparaváriaspessoaseminentes. Eaalegriaédelei.Opátiodeumaaldeiatimbiraéjustamenteolugarondetemosvistosuapolítica,jáqueéondediariamentesereunemoshomens.Nopátioseconversa, 6 éverdade,masoutrasconversasnoutroslocaisnãosãomenosimportantes2.Étambém o local onde são feitas partilhas de comida entre gente de casasdiferentes,eondesão recebidososestrangeiros;éprecisoatravessá-lopara irter comgentedo ‘outro lado’; émarca geométicada conexão.Masopátio é,principalmente,opalcodasfestas.Aproposta central deste texto - pontode chegadaque exporeinoquesegue-éadequeasrelaçõesquetemosbuscadosoborecorte“político”entreos povos nativos das Américas, bem como relações qualificadas comosociológicasoureligiosas,estãosituadasnumplanobalizadoporduasgrandesmatrizesrelacionais,queaquichamodeFestaeGuerra.Seriamessesos“solelua da filosofia política ameríndia” (Perrone-Moisés 2011:877), relacionados,comoconvémaumparnativodaAmérica,emgarrafadeKlein,“emperpétuodesequilíbrio”, pela diferença (Lévi-Strauss 1992; Perrone-Moisés 2006b).Pedireiqueoleitorrecordeessaimagemaolongodetodootexto(Lévi-Strauss1985:210-11), observando, antes de prosseguir, que um dos mais recorrentesequívocosquanto aodualismoameríndio (que se estende ao “estruturalismo”deLévi-Strauss)éodesuporqueostermosaquirelacionadosaosparesosãopor “oposição complementar”, “equipolentes” e “simétricos”3. Em operaçõesconstantementeassimétricas, trata-sedeumpensamentoquepropõequeé adiferença que permite a relação e a geração, em que os termos de cada par(metades,gêmeosmíticos,modosderelação,etc)sãodesaídadesiguais.Alémdisso, como os índios parecem operar cromatismos e escalas em lugar dedistinçõesexclusivas,os termosdecadapar sempresãobalizas,e tudooqueexisteestarásituadoentreospolos,tudosempredosagem. 2As conversas nas casas, particularmente entremaridos e esposas, nunca foram incluídas noquereconhecemoscomo“política”,certamenteporteremsidosituadasnocampodoprivado(apolítica, comose sabe, é coisa “pública”), gerandoumretrato familiar (e falso)dealijamentodasmulheresdasdecisõesquedizemrespeitoaogrupo.3Daí a espiral no final de História de Lince (Lévi-Strauss 1991), na retomada do tema dodualismoameríndio.“Desequilíbrio”étermofundamentalnaqualificaçãodestequenãoéum“pensar por pares” comomodo universal de operação do pensamento (Radcliffe-Brown 1951)mas um modo particular, ameríndio, de conceber e relacionar pares. E conquanto sejaqualificado de “perpétuo”, o “desequilíbrio” não só é esquecido, como transformado em seuoposto;eLévi-Strauss, tantoquantoos índios, sevêemacusadosde falsa (ideológica,nocasodestes)ouindevida(teórica,nocasodaquele)simetrização. 7 FestaeGuerra,poisbem.Guerra,constataramcedooseuropeus,etêmdemonstrado com brilho e riqueza dezenas de trabalhos de etnólogosamericanistas,éumamatrizrelacionalevidentenoquedizrespeitoaosíndios.Mas seu par conceitual não é aqui nem a Paz (como entre nós), nem aTroca/Comércio (como temos imaginado em relação a eles, a partir,evidentemente, do que é concebível “do lado de cá”4). Não há mesmo “opolítico” entre eles, não porque esteja por toda parte – ideia que, comolembravaClastres(2003:34-35),nãonoslevaalugarnenhum-,masporqueas“partes” são outras. No plano balizado por Festa e Guerra encontram-seatividades e relações quenossas percepção e reflexão retalhamemcategoriasinadequadas. O eixo5festa-guerra atravessa categorias e divisores nossos jámencionados, e outros, como sagrado-profano, cerimonial-mundano. Emresumo, trata-se aqui de defender que a vida social, i.e., coletiva, dos povosnativosdasAméricaségeradaporduasgrandesmatrizesrelacionais–FestaeGuerra-A aplicação de uma grade Festa-Guerra à nossa apreensão da filosofiasocial dos índios corresponde a um ajuste de nosso vocabulário analítico-descritivoaoléxicofartamenteevidenciadonostextosdegeraçõesdeetnólogosamericanistas, declarado pelos índios em palavras e atos. Os termos que osíndios utilizam para falar de relações coletivas são precisamente aqueles doléxico próprio a cada uma dessasmatrizes: anfitrião-convidado (em clave deFesta);amigo-inimigo(emclavedeGuerra).SituadasnesseplanoFesta-Guerra,ondenossosdivisoresnãooperam,asatividadestantodechefescomodexamãs(eoutrastantaslideranças)supõemodesempenhodedoispapéis:odefesteiroe o de guerreiro. Estes, por sua vez, desdobrados em anfitrião-convidado ealiado-inimigo.Chefes e xamãs seriam variantes umdo outro, figuras não de“campos” interligados, como tendemos a supor, mas de um único e mesmo 4Aproprio-medaexpressãodeMontaigne,“endeçà”,traduzidaaquicomo“doladodecá”,parame referir ao que tem sido chamado de Ocidente. O “lado de lá” são, aqui, as matrizes depensamentoindígena.Àsvezesreduzopara“cá”e“lá”.5"Eixo" e não "divisor", porque o pensamento ameríndio (como tem demonstrado, seguindoLévi-Strauss, o melhor da produção da etnologia americanista) não opera com entes efronteiras,mascomoperaçõesdecontínuatransformaçãodeseresemrelação. 8 plano, Festa-Guerra. A relação entre o famoso chefe sem poder ameríndio eseusseguidoresseriaumavariantedarelaçãoentreanfitriãoeconvidados.Emvezdesevernochefevariantededonoousogro,porexemplo,aquisepropõequedonos, sogros, chefesdeguerra, líderesde caçadas,donosde aldeias etc.sãovariantesdeumarelaçãoentrequemdáexistência(nosentidodeoriginarealimentar) a sujeitos que o fazem ser quem é. Puxador e seguidores. Todosseriam,decertomodo,variantesdarelaçãoAnfitrião-Convidado.Seproponhoqueseprivilegieocódigodahospitalidade,nãoésóporqueparece lógico emmundos onde todas as relações são sociais,mas porque ospróprios índiosempregam-noconsistentemente, e consistentemente seo temrelegado a comentários adicionais e notas de rodapé. ParafraseandoManuelaCarneiro da Cunha (1975:15), diria que o código da festa não é um recursometafórico,masomeiomaisfieldeexpressaropensamentodosíndiosquantoaosfundamentosdoquetemoschamadodesocialidade,equeelesexpressamemvariantesde“nossomododeviver(bem)”.Marry out or die out, dizia Tylor. Aqui nas Américas a variante seria,antes, “Party out (e casamento é aomesmo tempo causa e efeito disso) and(porqueaguerraéaomesmotempocausaeefeitodafestaedocasamento;eporqueaquitudoviveaospares)dieout”.Oplanodoparentescoétransversalao de Festa e Guerra, suas operações infletem e são infletidas por festas eguerras, mas nem festa nem guerra podem ser reduzidas logicamente aparentesco,nemesteanenhumadaquelas.Anfitriõeseconvidados,amigoseinimigos.Ostermos,longedesoaremcomonovidadeaosetnólogosamericanistas,povoamtodasasetnografias.Masos códigos de festa permanecem à margem da análise, como entre nós ovocabulário de convidados, banquetes, presentes, fica à margem da “coisapública”.Oscapítulosseguintesbuscarãoqualificaressaspropostaspormeiodeexemplos etnográficos. “Lições indígenas”, chamava com tanto respeito epropriedade Lévi-Strauss a esses “casos” etnografados. As lições dos índiosevocadas abaixo e seus etnógrafos correspondem, obviamente, a uma parcelaapenas dos que poderiam e mereceriam ser evocados. O crescimento 9 espetacular do americanismo nas últimas décadas torna cada vez maisimpensável – se é que algum dia foi – pretender a alguma espécie deexaustividade.Procurei reuniraquiexemplosdediversasáreasdocontinente,dediversostempos. 10 AJUSTEDEVOCABULÁRIO“You who are wise must know, that differentNationshavedifferentconceptions.”Canasatego,oradoronondaga,1744Seháumasabedoriaprópriaàantropologia,talvezsejaexatamenteaqueooradoronondagaressalta6.Desdesempreosantropólogossouberamqueseumaior desafio era de tradução; tradução dos conceitos de umaNação nos deoutra, mas também 7 criação de uma “caixa de ferramentas analíticas”,termos/conceitos próprios que, por seu caráter transnacional (ainda falandocom o orador onondaga), permitam a tradução unificada de “differentconceptions”8.Oproblemasecolocacomforçaparatodooetnógrafo,edesafiaconstantemente os comparatistas. As chamadas "grandes escolas" costumamserdefinidaspelaspalavrasquepropuseramparataistraduçõestransculturais,e as "grandes viradas", por sua vez, acontecem quando são revelados novosdados etnográficos, que justamente desafiam as traduções (categoriasanalíticas)disponíveis.Aantropologia,dissecertavezMarilynStrathern,éumaincessanteterapiadalinguagem.No Ensaio sobrea dádiva, texto fundante que nos apresenta os“fenômenos sociais totais”, em que “tudo está misturado, [em que] seexpressam,aomesmotempoeembloco,todosostiposdeinstituições”,Mauss(1924:147) já alertava para a inadequação de nossas palavras/categorias paraapreenderedescrever “different conceptions”. Masapenasemnota, algumaspáginasadiante,falandodehau,atentaoautor: 6Considerando que se dirigia, na condição de Orador dos Onondaga – posição de prestígioentreos Iroqueses–,a representantesdaadministraçãocolonialbritânica,conhecidanaquelaregiãodomundoporignorar“differentconceptions”,pode-sesuporqueaafirmaçãocarreguebastanteironia.7Sobretudoadependerda“antropologia”proposta.8Desenvolvoaquestãoda“linguaanti-babélica” implicadanoprojetoantropológicoemtextointitulado“Alínguadosantropólogos”,aindainédito. 11 nessasinstituiçõeseideiasestãomisturadostodosostiposdeprincípiosque nossos vocabulários europeus, ao contrário, empenham-se comafincoemdistinguir(Mauss1924:160).Esta observação capital parece ter permanecido, como no próprioEnsaio, emnota de rodapé.Não por acaso o “fato social total” aparece nessetexto,que“inauguraumanovaeraparaasciênciassociais”(Lévi-Strauss1950)eacrescentaaoimaginárioenovocabuláriodoOcidenteopotlatchdaColúmbiaBritânica, tornando-o provavelmente a festa ameríndia mais conhecida detodas.Comotodasasfestasdosíndios,opotlatchnãocabeem“ritual”,nemem“política”, nem em “economia”. Se nos parecem “totais” certos fenômenos, e“comvalorindeterminadodesignificado”certasnoções(Lévi-Strauss1950:xliv),hádeserporquesuasdistinçõessãooutras,quenossosvocabuláriosatravessame,portanto,nãopermitemapreender.JáodiziaMauss.No campo americanista, já falavam de inadequação das palavras (i.e.categorias) de que dispomos para descrever as sociedades indígenas: JoannaOvering,nofamosoencontrode1976intitulado"Temposocialeespaçosocialnassociedadessul-americanas"(Overing1977),etambém,doisanosmaistarde,TonySeeger,RobertoDaMatta eEduardoViveirosdeCastro,no igualmentefamosoencontrodedicadoà "Construçãodapessoanassociedades indígenas"(ver Seeger,DaMatta &Viveiros de Castro 1979).O desenvolvimento dessaspropostas tem levado a uma constante revisão crítica de nosso léxico, e aosurgimento de novos termos. Algumas categorias, no entanto, sãoparticularmente resistentes. Ou melhor, parecemos, apesar dos constanteslembretes,especialmenteaferradosaalgumasdelas–como“ritual”.Nocampoaindamaisrestrito(masquetemcrescidorapidamentenosúltimosanos)dosamericanistas interessados em política, no qual se move este ensaio, adificuldadedelinguagemjáestádadadesaídanorecorte/categoria“política”.Atentosaodescompassoentrecategoriasmotivadaspordadosafricanosou, ainda, melanésios e polinésios, e as sociedades sul-americanas, quedescreviamcomcadavezmaisriqueza,osetnólogosamericanistasmantiveram,no entanto, outras categorias analíticas "importadas” (e imputadas) como 12 "sociologia","cosmologia",“economia”,“política”.A“religião”desapareceentreos americanistas, mas parece ser apenas camuflada sob outros termos –xamanismo, cosmologia –, sem ser propriamente descartada como domínioparticular.Trata-se,aqui,assimcomonanotadeMausse,sebementendo,naspropostas da “era heróica” da etnologia das terras baixas sulamericanasevocadasacima,deduvidardenossascategorias.Tudoindica,naverdade,quetais categorias têm sido grandes produtoras de “ruído”, dificultando nossaapreensão.Natentativadetraduzirasdinâmicasedeclaraçõesameríndiasemtaiscategorias, multiplicamos plurais e "híbridos": sociocósmicos, sociopolíticos,cosmopolíticos. Traduções, digamos assim, user-friendly, na medida em quepermitem ao destinatário seguir operando com suas próprias categorias,ressaltando entre elas relações; tais termos compostos acoplam (e, portanto,mantêm)recortesquenãosão-sempresoubemosdisso-transculturais.Umaexpressão como "cosmopolítica" pode ser (como de fato tem sido) produtivaentrenós,exatamenteporqueobrigaaimbricardoisplanosqueopensamentomoderno distingue.Não parece fazer sentido onde “sociedade” se estende aoque chamamos de "cosmos", conjunto de coletivos diversos com quem sepraticamrelaçõesqueaquiproponhodeclinadasem[festa/guerra].“Cosmos”?“Política”? Tais traduções não traem as categorias da língua de chegada(ViveirosdeCastro)e,porissomesmo,traemaslinguagensameríndiasquesepropõem a traduzir. Antropologia, “ciência [social] do observado”, sendo oponto de vista que supõe que devamos visar um tipo de tradução particular,não-domesticante, em que toda a “estranheza” do que temos a traduzir serevele9.Adespeitodoevidentee,porvezes,expressodesconfortodosetnólogosamericanistas com a manutenção de categorias e distinções inadequadas natentativadecompreensãodosmundosameríndios,emuitoemboraoalertade 9Opropósitodeoutrostiposdeperspectiva,notadamenteasdevertentemaisfilosófica,tendeaser,aocontrário,odebuscarecos“doladodecá”paraaquiloquelhesapresentao“outro”.Sãotraduçõesdomesticantesnamedidaemquedobramopensamentoatraduziraosconceitosepreceitosdosdestinatáriosdatradução.Outrotipodereflexãoedeconhecimentoseproduz. 13 Mauss tenha sido retomado por outros antropólogos ao longo das décadas,comoSahlins,quandoafirmavaquein tribal cultures, economy, policy, ritual and ideology do notappear as distinct 'systems', nor can relationships be easilyassignedtooneoranotherofthesefunctions(Sahlins1976:6)10. Apesardasevidências,ascategoriascontinuaramnorteandoapesquisaeareflexão.Asanálisesexpressamenteconcebidascomo“deorganizaçãosocial”tornaram-seraras,enquantotrabalhosdedicadosacosmologiassemovemporsociedades ameríndias, nas quais incluem-se gentes que costumamos chamarde "espíritos", o que talvez explique porque as festas continuaram sendoestudadas,massempreretalhadaspelacategoria“ritual”.Tudo está na formulação. Vejamos um exemplo, tirado de um textodedicadoaumexercíciocomparativoemtornode“poder,ideologiaeritual”naAmazônia:the[shaman-leaderofthePiaroa]hasthemonopolyoftradingactivitieswith ‘neighbouring territories’ andother ethnicgroups [...]healsohastherighttosolicitthelabourofallmembersoftheterritorytocarryoutthe large scale productive activities required for the celebration of thegreatincreaseceremony[...](Santos-Granero1986:665).“Xamã-líder”, por sua vez, é um qualificativo que supõe um divisorpolítica/religião–voltareiaisso.Fala-seem“monopólio”,“direitos”,“atividadesprodutivas”emconsonânciacomospressupostosdequeopoderpolíticoexistemesmoondenãohá “visiblycoercivemeansofcontrol”,equeocontroledosmeios de reprodução – douso das roças à capacidade demobilizar “mysticalmeans of reproduction” - funda tal poder. Em relação aos Piaroa, trata-se, 10Falava,contudo,de"tribalcultures"emgeral,oquenãoéocasoaqui.Alémdeoconjuntoaquiconsideradosermaisrestrito–culturasnativasamericanas-,afastamo-nosmaisaindadoraciocíniodoautornasequência,quandoafirma:"Toput itpositively,society isorderedbyasingleconsistent systemof relationships,having thepropertieswe recognizeas 'kinship' [...]"(Sahlins1976:6).Partodoprincípiodequenãoháum"único"sistemaderelações(qualquerqueseja)capazdesubsumirosdemais(empartealguma).EproponhoquenasAméricas,ondeissonão se aplicaria demodo algum, dado o característico “dualismo emperpétuo desequilíbrio”(Lévi-Strauss 1991), poderíamos falar de dois grandes sistemas relacionais, um deles,parafraseandoSahlins,compropriedadesquereconhecemos(maisfacilmente)comoGuerra,eoutrocompropriedadesque,justamente,temostidodificuldadeemreconhecer:odaFesta. 14 portanto,dedemonstrarque“politicalleadership[...]isembeddedineconomicprocesses”.Nãohásurpresa:assumidamente,trata-sedemostrarqueospovosda Amazônia não são assim tão diferentes de outros (de nós) como queriaClastres.Ofundamentoeconômicodopoderépressuposto,trata-seapenasdeilustrá-lo comcasos amazônicos.Oautor evoca em seguidaoutros exemplos,comoodosPanará, enovamente adescrição conduz a análise: o chefe-xamãtem“umpapelcentral”emtodasasgrandescerimônias,detendoo“monopólio”doscantos(Santos-Granero1986:667-69).Veremosabaixoquecasosanálogos,recorrentesnasAméricas,muitasvezessãodescritosemtermosquelevariamaconclusõesmais “clastreanas”: os índios frequentemente vêem como dever oqueosanalistas conceituamcomodireito,prerrogativaouprivilégio, e aquiloque se percebe como monopólio é, nas mais das vezes, entendido comoexigênciadocargo.Maisadiante,aindanoartigosupracitado,lê-se:amongst the Makuna there is no need to be a shaman in order tobecome a political leader: it suffices to have control over ritualparaphernaliaandaccesstotheservicesofaco-operativechaman[...]aMakunaleaderwholosescontrolovertheritualornamentsorwhohasnomore access to the services of a friendly shaman, hasno chance ofmaintaininghisauthority(Santos-Granero1986:672). Oqueaíéentendidocomo“controle”,nasmaisdasvezes,apareceemformulações nativas como “conhecimento/capacidade”, laboriosamente 11cultivadonotempoenocorpo.Santos-Granerofalaem“autoridade”depessoasque“controlamosprocessosdereproduçãosimbólicapormeioderituais”,masoque se vê são chefes e xamãsque “puxam” festas12, que as conduzemcomomaestros. E que só podem fazê-lo por serem detentores de determinadasqualidades/conhecimentos e de “parafernálias de festa”. Santos-Granerointroduz cada uma das partes de seu texto com uma recapitulação dasprincipaispropostasteóricasarespeitodostemasempauta.Osíndios,apartirde entãomuitomenos diferentes de todomundo do que davam a entenderautores comoClastres (o contraponto escolhido pelo autor nesse texto), vêm 11E o “labor”, no caso, parece sermais do chefe do que de seus “liderados”; veremos abaixoafirmações acerca do peso do encargo de chefe e do enorme trabalho que dá continuar “naliderança”entreosíndios.12Equemovemguerras. 15 reforçar o que já se sabe. Propõe-se, em resumo, que aqui o poder políticoexiste, sim, e está fundado, como em toda parte, no controle da produção; adiferença éque entreos índiososmeios eprocessosdeprodução incluiriam,digamos, muita metafísica – coisas como “fertilidade cósmica”. Daí aimportânciadosxamãs.Num dos momentos em que a questão das categorias e distinçõesinadequadas recebe uma discussão mais detida, Barcelos Neto (2008:28)contrapõe a “centralidade do ritual” que constata entre os Wauja àcaracterização das sociedades amazônicas (feita por Descola) como“cosmocêntricas ao invés de sociocêntricas” e o equívoco de opor "cosmos" à"sociedade",fundadonosdesmentidoswauja.Masoautoraindaélevadoafalarem "reprodução política da ordem social por meio de rituais" e em"sociopolítica",mantendo as distinções operadas porDescola quando reage aelas, movido pela apreensão de fatos que obviamente as transbordam esubvertem. O que sua etnografia apresenta em seguida, com exuberanteriquezadedetalhes,éumaversãowaujadessasgrandes festasameríndiasnasquaisanfitriõeseconvidadosseencontramesealegram.Os Wauja [...] estão intensamente voltados para a (re)-produção daordem política por meio de rituais, exatamente aquilo que Descolaafirma sermenos central naAmazônia. [...] a (re)-produçãopolítica sefazexatamenteapartirdeumacombinaçãodosplanoscosmocêntricosesociocêntricos, sendo o material fundamental dessa reprodução opróprio sistema de relações com os ‘múltiplos atores do universo’(BarcelosNeto2008:28). A “centralidade do ritual” que o autor demonstra entre os Wauja severificaria por toda parte nas Américas. O problema é que “ritual”, essacategoriaresilienteecadavezmaisvaga13,recortaindevidamenteasfestasdosíndios. Parece ser em geral tomado, semmais explicações, como uma dessasferramentas analíticas dos antropólogos que traduziriam – definitivamente –aspectos da “realidade” de todas as populações humanas. Nos dicionários, o 13Emcertaspropostas,ritualétodaaçãorepetida,codificadaesignificativa.Épossívelatéfalaremrituaisdehigienecotidiana.Nessescasos,parafraseandoClastres,éprecisoreconhecerquesealgoestáportodaparte,nãoestáemlugarnenhum.Emsuma,nãopareceserumadefiniçãoqueleveaaumentaroconhecimento. 16 substantivo“ritual”prende-seinequivocamenteaocamporeligioso;quandoseafastadele(já lápelaquartaacepção),mantémda"religião"oaspectosolene,litúrgico.Quandoseoptapor“cerimônia”parafalardessasfestasdosíndios,édecertomodoaversãolaicaquesebusca,afastandoaincômodarelaçãocom“religião”.Asfestasjamaiscabemnessascategorias.Asfestasquesedescrevemsempretransbordamessaeoutraspalavrasdequedispomos.Nelas,atroca"debanquetesegentilezas"(Mauss)eoconjuntodeperformances(diálogosditoscerimoniais, competições ditas rituais, cantos, danças etc.) não são"acompanhamento"nem"expressão"de sociologiaoupolítica, e seassim têmsido vistos, é provavelmente porque o subreptício recorte religioso impede oanalistadeconsideraremconjunto–esemsupostasprioridades–apresençade ‘espíritos’ invocados por xamãs, os cantos que retomam trajetos de chefesantigos, as zombarias ebrincadeiras, as corridasde tora e jogosdebola.Mastudo isso é indissociável nesses grandes eventos que fazem e refazem a vidasocial dos índios, a que eles chamam de festa. Esse seria o ajuste deenquadramentobásico:verfestaondesecostumaverritual.Outramudançadevocabulárioaquiproposta,ligadaàadoçãodorecortenativo festa, diz respeito ao léxico da hospitalidade, sempre relegado nasanálises à condiçãode “mododedizer” queo antropólogo substitui peloqueseria,supostamente,osentidoprimeiroouverdadeirodasrelaçõesemexame.Umexemplo:na“ficha”depropostaderegistrodo"granderitualdeiniciação"wayanaeaparaidaGuianacomoitemdopatrimônioimaterialfrancês,afirma-sequearelaçãocentraléaquelaentreanfitriõeseconvidados,"osdolugar"e"os que dançam". Neste, como em todos os outros casos, a formulação emtermosdehospitalidadeé relegadaa segundoplanoemfavordeanálisesquerevelamrelaçõespolíticas,econômicas,cosmológicas.Trata-sedeum“ritualdeiniciação”,masaomesmotemposeafirmaquesetrata,"fundamentalmente,derenovaralianças".Afestatendeaaparecercomoacessóriodapolítica(comooéparanós);ocorreque,aí,afestaéapolítica.Aaplicação,aoscasosameríndios,de toda uma série de divisores (religião/política; sagrado/profano;ritual/cotidiano; cerimonial/mundano; sociologia/cosmologia) produz, nas 17 análises, o que parecem ser falsas distinções (e falsos problemas).Reconhecemos constantemente a imbricação entre as festas e “a política” noque se pode chamar de “produção ritual” dos chefes. Distinguimos os doiscampos,assimcomoquandoafirmamos,porexemplo,quelíderescerimoniaissãomuitasvezeslíderespolíticos(oualgocomo“ochefedevesertambémumespecialistaritual").Adistinçãoentreesses“tipos”delídereséfeitaemvárioscontextos;valeriaapenarever,emcadacaso,suavalidade,poisomerofatodehavertantos“líderes”aquemsereconhecemfunções“cerimoniais”e“políticas”podebemindicarainoperânciadadistinçãoemsi14.Aconexãoentrepolítica,festaexamanismoentreameríndioséevidenteem todas as monografias, “o domínio político é fortemente dependente dodomínio ritual” (Sztutman2009:30).Estaríamos,durante anos, adeclararquenãosabemosbemoqueéapolítica,algunsassumindodeixaroassuntodeladoenquantodescreviamfestas;outros,emtemposmaisrecentes,abuscá-la,semperceber claramente,mas intuindo e sugerindo constantemente o que estavabemdiantedenossosolhos:achavedas“políticasameríndias”éafesta–nãooque chamamos de ritual, nem o que chamamos de festa, mas o que eleschamamdefesta.Festaéfenômenoreligioso,político,jurídico,econômicoetc.;é tudo isso porque não é nada disso. O mesmo ocorre, aliás, em relação àguerra: como na festa, as análises detectam religião, política, sociologia eeconomia,desligandoconexõesnativas,porassimdizer,emfavordecategoriasquecontinuamosnos“empenhandocomafincoemdistinguir”. 14“Cotidiano” e “cerimonial” também balançam constantemente: quando Da Matta fala naoposiçãoentre"mundodocerimonial"e"mundodocotidiano"entreosApinayé(1976:239),eosvemos cotidianamente empenhados na produção de festas; quando o sertanista entrevistadopela Globo afirma que os Enawenê-Nawê "praticamente não têm vida cotidiana", pois que"passamamaiorpartedoanonapreparaçãodeseuritualYãkwá".SeusarmosaFesta-Guerra,éprovável vermos guerra na "preparação do ritual", dado que os "rituais" ameríndios supõemsemprealgumaguerra,mas,nessecasoespecífico, tambémexpressamentevividana festa,na"lutaagonística"contrao"pessoaldebaixo"porumgrupoconstituídodeumasóaldeiaequenãofazguerracomvizinhosquenóschamamosdehumanos.Costumamosdizê-los"pacíficos",comooutrospovoscujos inimigosnãoreconhecemoscomotais–nãorealmente. "Bruxas, talcomo as concebem os Azande, evidentemente não existem". E se muito do tempo passam,comojánotavaLéry,acontarfestaseguerras,vivemnaexpectativadequealguémosvenhaaconvidar,epreparandoarecepçãodealgumconvidado.Xamãsechefesocupam-sedeconvitesebatalhasconstantemente.Haverámesmo,entreeles,umtempo“fora”dasfestaseguerras,um“quotidiano”? 18 Comomencionado, nãohá de surpreender a proposta de que a a vidasocial dos índios transcorre entre festa e guerra. Muitos etnógrafos talvezsintam, inclusive,que jáo teriamdito.Umbreve sobrevôodasdissertaçõesetesesdefendidassónoBrasilrevelaosdoistermosassociadosemváriostítulosdemonografiasmaisatentas,justamente,aoschamadosidiomasnativosdoqueanossasclassificações15.Avancemosnessesentido,reconhecendoquesãofestasde que costumam participar gentes de outros planos, mas não é de culto(Religião)quesetrata.Tampoucoéteatro:filosofiasquetêmporeixoacrônicainstabilidade de corpos e perspectivas garantemque quando os índios dizemqueapessoaatrásdamáscaranãoésuaconhecida,ouquedasflautassaiavozdosapo,nãosetratadefiguradeexpressão16.Levarasérioosnativossignifica,nessecaso,deixardetratarcomometáforaoufiguradelinguagemaquiloqueanósassimparece.Pensandonasdificuldadesdeapreenderaspolíticasameríndiascomaspalavrasdequedispomos,concluíamos,RenatoSztutmaneeu,queUm novo vocabulário seria preciso [...] [Já] Clastres salientava anecessidade de umamudança radical de linguagem para realizar arevolução, mudança que seria capaz de forjar um pensamento acontracorrente, de dar novos sentidos a velhas categorias. [...] Épreciso avançar, na proposta clastreana de estudo e buscar, enfim,uma linguagem mais adequada para falar das tais políticasameríndias, linguagem provocada, por assim dizer, pelas políticaspropriamente ameríndias, transformada (ou afetada) por elas e porisso capaz de abalar nossas categorias mais do que lhes dar novossentidos"(Perrone-Moisés&Sztutman2009:1).Trata-se, assim, de refletir na própria linguagem que empregamos aproposta de deixar que o pensamento, no presente caso, o dos índios 17 , 15Umigualmentebrevesobrevôodetrabalhosemquetaistemassãocentrais,contudo,revelade saída a manutenção de categorias (às vezes subreptícias e insidiosas) como política ereligião.Quandoaetnografiaprovocairresistivelmenteodesabamentodetaiscampos–oquedizem/fazemeles-,persistenasanálisesatendência(indo-européia?)deestabelecerentrefestaeguerra,porexemplo,algumarelaçãodesubordinação.16Desenvolvo a questão da “performance” e o que poderíamos chamar de seu “rendimentodiferencial”entreosíndiosemPerrone-Moisés(2014).17Aexpressão"opensamentoameríndio",aquicomoemtudooquesegue,remeteàquiloqueomergulhonosmundosameríndiosnospermitepensar,àquiloqueaconsideraçãodevariantesparticulares expõe em termos de eixos compartilhados. Como "a ideologia tripartiteindoeuropeia" revelada por Georges Dumézil, trata-se de matrizes compartilhadas por 19 transformaronossopor forçade suadiferença.AssimentendoapropostadeViveirosdeCastro(2009:54)deque"amelhortraduçãoéaquetraialínguadechegada". Este texto se alinha, nesse sentido, a tal proposta “subversiva” emrelaçãoàlinguadechegadaantropológicaeaoportuguêsemqueaexpresso,aoadvogarpelaincorporaçãoaonossovocabulárioanalítico,nacondiçãodeguiaspara pensar, uma série de palavras da língua portuguesa tal como sãoempregadasnoquesecostumachamarde"portuguêsdosíndios". conjuntos de culturas, profundamente diversas umas das outras no interior de cada grandeconjunto,tantonocasoameríndiocomonocasoindoeuropeu. 20 OPORTUGUÊSDOSÍNDIOS NoBrasil,osíndioscostumamtraduzirpor“festa”oqueosantropólogos“retraduzem”comoritual.Contudo,comoosdemaistermosdo“portuguêsdosíndios”, este fica relegado a observações iniciais, notas de rodapé, sempre enpassant. A tradição de desconsiderar as traduções propostas pelos índios nalínguadoantropólogo,diga-sedepassagem,éantigaepareceobviamentemaisum empecilho do que uma garantia de conhecimento. Com efeito, Goldman(1975), em seu livro dedicado aos Kwakiutl, aponta diversas traduçõesregistradas por Boas que diferem daquelas propostas por James Hunt, oetnógrafonativo,treinadoporelejustamenteparaisso.EnumlivroquedeclarastartfromtheBoasianpositionthatweshouldfirstknowhowthenativethinks[...]Then,andlater,we[asscientists]cansayifwewish:Thisishow the culture and its institutions would appear in current theory(Goldman1975:14),graças aocuidadoso trabalhodecotejo realizadoporGoldmanentreasnotasoriginaisdeHunteos textospublicadosporBoas, ficamos sabendoqueBoasdesconsidera traduções como “tribe”, propostas por seu assistente kwakiutl,porque não correspondiam ao que ele, Boas, seguindo a “conventionalsociological tradition”, entendia pelo termo, e que o aplica a uma categorianativaque significa “fellow inhabitantsof thehouses”, aqual,naverdade– eBoasoreconhece–,maisbemdesignaria“village”(Goldman1975:31).Aolongodotextosomosapresentadosavárias “retraduções”deBoas, todasprodutorasde imbroglios analíticos, entre as quais uma chama especialmente a atenção,tendo em vista o tema deste ensaio. Trata-se da recorrente substituição porBoas,nasobrasacercadosKwakiutl,doverbo“dizer”peloverbo“cantar”,esteúltimoempregadoporHuntparafalardasperformancesdenobresemqueserememoravam histórias de famílias. Boas achou por bem fazer de cantosdiscursos.Perde-seaíalgofundamental. 21 Nessesentido,omovimentoempreendidoaquiéodeseaproximardoque o “native thinks” partindo da premissa de que, ao cabo de um esforçocontínuo de tradução, por sucessivas gerações de indígenas vivendo emterritóriobrasileiro,estánahoradelevarasérioo"portuguêsdosíndios".Nãoparececabidosuporquepessoasemcontatocomalínguaportuguesa,muitasvezes diário ao longo de sua vida, algumas das quais nasceram ouvindoportuguês, outras que viveram anos em cidades brasileiras, tenham menosproficiêncianalínguadoantropólogoe/oumenorcapacidadedetraduçãoqueumetnólogocomtalentoedisciplinaparaoaprendizadodelínguasindígenas.São várias as palavras usadas pelos índios que os etnólogos registramsemlhesdarmuitaatenção.Todaselasserãoaquifundamentais,comoseverá.“Lideranças”, sempre plural e variado; “turma” e “pessoal”, para designar“coletivos”;“amigo”paradescreverrelações;“alegria”,oqueseproduzemfesta,etc.E,principalmente,“festa”.Retalhadapormodosdeconceberplanosrelacionaisquelhesãoalheios,aFestanãopodeserplenamentereconhecidanolugarquelhecabenafilosofiasocialameríndia,odeparconceitualdeGuerra,seuoutro,àmodaameríndia.Levemosasériooquedizem,comotratamdedizê-lo,emlínguasestrangeirasque aprenderam: o que eles dizemé “festa”.A tradução é precisa: trata-se deeventos coletivosque reúnemanfitriões e convidados em tornode farturadecomida e bebida, dança e canto, jogos... e têm o alegrar-se juntos comoobjetivo.Atéaquinãohátraiçãoàlínguadechegada,aparentemente.Asfestasdos índios, entretanto, apresentam o que nos aparece como mistura desolenidade com festividade, o que desafia nossa “intuição cultural”. É,provavelmente,acentralidadedastaisfestasnasvidasdosíndiosqueimpeleaoemprego de termos entre nós relacionados a eventosmais “sérios”, tidos porigualmentemais “sérios”, porque técnicos. Enfatizando a recorrente presençadeconvidadosdeoutrosplanos(espíritos,ancestrais),aimportância(queumasimples “festa”, vista daqui, não pode ter) desses eventos na vida social dosíndioseosprotocolosminuciososqueasregem,apalavra“ritual”puxaasfestasdosíndiosparaocampodo“religioso”.Oargumentodestatesedependedese 22 aceitar que “festa”, para os índios falantes de português, correspondeparcialmente a seu referente entre nós. Não significa exatamente a mesmacoisa.Outras palavras do português dos índios aparecerão abaixo comoperfeitamente adequadas àquilo a que se referem, embora as traduções dosantropólogos tendem a deixá-las como informação à margem da análise.“Lideranças” é uma delas. Uma gama variada de pessoas é reunida nessacategoriaquandoosíndiosfalamdesiemportuguês.“Fulanoéliderança”–aformulação,bastantecorrente,seriaanalisadaemfunçõesseparadas,acomeçarpor chefe e xamã. Aplica-se uma grade política/religião, este mundo/outromundo.Àsdemaispessoasincluídasnocoletivooutrasgradesseriamaplicadasparadistinguiroqueosíndiosreúnem.AdescriçãodaorganizaçãopolíticadosYakimaéumexemplo.Fala-senumchefe,assistidoporum“informalcouncilofvillageelders,bothmenandwomen”,eacrescentanofinal:Other persons of leadership and esteem in the village includedrecognizedwarriors, shamans ormedicinemen, heads of hunting andfishingparties,religiousleaders,leadersofroot-diggingexpeditions,andathletes(O’Brien1989:32).Com efeito, a lista de lideranças é sempre, de nosso ponto de vista,bastante heteróclita e por isso mesmo causa uma espécie de “indistinção”operada não só nessa tradução como, muitas vezes, nas línguas indígenas.“Oddlyenough”,observaNimuendajúarespeitodosXerente,“villagechiefs”e“leaders of societies” são referidos pelo mesmo termo, e também entre osCanela, onde “the leader of anyunit excepting the age-classes is calledpa’hi”(apudDrago2012:70).Semprequeumetnólogoestranhaassimumusoouumaideia,estamosdiantedeumadasdiferenças-desafio,postaspelosnativos,quemovem a disciplina chamada antropologia. Muitos finos etnógrafos,conscientesdeestaremdiantedealgoquemereceesclarecimentos,equetalveznão se sintam capazes de fornecê-los, deixamodesafio registrado, ainda queem nota. É preciso voltar a essas notas de estranhamento nas etnografias,registradas no texto ou em rodapé, tanto para encontrar aí pistas seguras de 23 pesquisa quanto para retomar aqueles casos nos quais o estranhamentopassageiroéreduzidoporanáliseacomponentesqueconhecemoseexplicadosegundo a “conventional sociological tradition”mais cara ao analista; a ideianativaésimplesmentedeclaradadotipo“flutuante”,“ambígua”etc.Quando perguntei a Merekuku qual qualidade seria mais importantepara alguém ser confirmado como sucessor à chefia (independentemente decorresponderounãoàposiçãodefilhomaisvelho,entreosAparaieWayanaapreferida para a sucessão), disse-me, utilizando uma expressão de largaocorrêncianoportuguêsdosíndios,queocandidatoprecisa"saberorganizaropessoal". “Opessoaldex”(xsendoonomedochefe)é fórmulacorrenteparadesignar o conjunto dos moradores de uma aldeia (Viveiros de Castro 1977;Guerreiro Jr. 2012) e também outros conjuntos formados por puxador eseguidores (Miller 2007). “Turma” também é uma palavra empregada nosmesmos contextos. Naaldeia Bona, onde reside Merekuku, “turmas”frequentementesereúnemparaatividadesvariadas:paracadatelhadodecasaaser refeito, cada limpeza de pista de pouso, organizadas por alguémque, emcontrapartida,oferecerácomidaecaxiri.OsMyky-Iranxedizem“turma”ondeosantropólogosfalamde“clã”,etambémusamafórmula“aturmado[capitãox]”que,nocaso,nãocorrespondeaumaaldeia(Bueno2014:59ss).Essafamíliadecoletivoscostumaserpreteridapelosetnólogosemfavordetermoscomo“aldeia”,“grupolocal”,“classedeidade”,“metade”,“parentela”etc. É preciso reconhecer que as traduções dos índios são muitas vezesdescartadasdesaídaemdecorrênciadopressuposto,nemsempreexposto,dequeosíndiosfalamumportuguêsaproximado(porrazõesdiversas)quecaberiaao etnólogo “retraduzir”. O fato é que palavras como “turma” e “pessoal”parecemmuitomaisadequadasqueafamíliadeentidadesclassificatóriasqueos etnólogos ainda se vêem – por que razão? – impelidos a manejar. Eprecisamente porque nos parecem vagas e fluidas demais para designaremgrupossinalizam, jádesaída,queacomposiçãode“coletivos”entreos índioschoca-se de frente com os modelos entitários que temos à disposição paradesigná-los.Voltareiaissoadianteem“Turmasdefesta,turmasdeguerra”. 24 Não há porque desconsiderar as traduções que os índios têm-seempenhado em fazer há gerações. Além das razões contextuaismencionadasacima, devo notar que os índios têm um gosto especial pelo aprendizado delínguas,eraramentesãode fato“monolíngues”.MerekukuAparay falaquatrolínguasindígenas,dasquaistrês,emborasejamclassificadasnomesmotronco(karib),sãomuitodiferentesemtermosdefonologiaeléxico.Nastrêssemanasquepassouemminhacasa,emmaiode2015,nãoperdeuumaoportunidadederefinar e aumentar seu conhecimento – já avançado –doportuguês. EmuitodasconversasquetevecomKasiripinãWajãpinesseperíodoforamdevotadasatrocas de palavras, em diversas línguas - Kasiripinã também é poliglota. Sãodoishomens “sabidos”.E comoeleshámuitos emuitas,mulheres ehomens,sempre intensamente interessados em se fazer compreender, em explicar aosbrancos seu modo de vida. Algumas traduções talvez devam mesmo serdescartadas em favor de outras, mas tentarei mostrar que as traduções dosíndios sãomuitas vezes asmelhores, e que em vez de descartarmos por nosparecemimpróprias,justamenteporissodeveríamoslhesdaradevidaatenção,já que provavelmente sinalizam as diferenças e desafios que nos propomos acompreenderedescrever.Comecemospelasfestas.Masoquê,afinal,osíndioschamamdefesta? 25 MASQUEFESTAÉESSA?A palavra “festa”, tal como empregada pelos índios, sofre pelo menosdoistiposdedeslocamentoemrelaçãoaoqueentrenóssignifica.Emprimeirolugar,porsuacentralidadenavidasocial,quediríamospúblicaoupolítica,dospovos indígenas da América. A conexão entre festa e política não é, em si,particularàsAméricasindígenasejáfoitemadeumasériedeestudos;remetoespecialmenteaostrabalhosdeRitaAmaral,cujoscruzamentoseconexõescomeste restam por explorar. A grande maioria das formas políticas quereconhecemos pelomundo afora associa grandes eventos políticos a grandescelebrações. Mas em cada caso são diversos os eventos, e diferentementeconcebidas e operadas suas conexões. Basta relembrar que os banquetes dechefesdeEstadosãoconsideradossecundáriosemrelaçãoàssuasreuniões,eàdiferença do que acontecia nas realezas europeias, festas não são atividadespolíticas de primeira importância18. As festas dos índios, se têmpor um ladocaracterísticasque sustentamapertinênciada traduçãodos índios,poroutrolado – eis o segundo deslocamento – têm uma grande característica que astorna únicas, relacionada à guerra. Será preciso, consequentemente, começarpor subverter nosso uso da palavra "festa" para poder tomá-la, aqui,emparelhadaà“guerra”,comocategoria.‘Nãosefazfestaparapassarfome’[...]Paraosmarubo,comoparatantospovos ameríndios, festejar é dançar, fartar-se de comida e bebida: é omomentonoqualamoderaçãoeatimidezqueregemacondutadiáriacedemespaçoparaoexageroeaextroversão(Yano2014:124).Opreparodacomidaebebidaaserservidanasfestasdosíndioscomeça,emtodososcasos,commesesdeantecedência.Hácasosemqueaprópriaroçaéplantadalogoapósadecisãodedarumafesta;outrasestãoplantadasantesda 18Este é outro diálogo a ser explorado com estudos sobre festas e monarcas europeus. Acoletânea organizada por Jacquot & Konigson (1975) a respeito de festas no Renascimentopareceser indicadaparaa iniciaracomparação, jáqueemsuaapresentaçãoosautores falamem“lafêtecommesubstitutdelaviepolitique”(:21). 26 festasermarcada,jádestinadasaela.Aroçaésómetadedacomida.Ascaçadasepescariasparaas festas tambémpodemserdemoradas.Emalgunscasosháreceitas específicas de festa, e mesmo que não haja, a receita geral é aabundância. É preciso produzir e conservar em grandes quantidades,garantindo que todos 19 possam fartar-se na festa. Todo o grupo anfitriãoparticipa ativamente da produção da festa, que inclui, além da comida e dabebida, frequentemente presentes (brindes para os convidados, mimos defesta20) e competições (jogos), obrigatoriamente apresentações de dança ecanto. Tudo isso envolve a coleta de matérias-primas específicas para aconfecção de roupas de festa, louça de festa,mimos de festa. A decoração ésobretudoapuradanoscorpos,porassimdizer,masossalõesdefestatambémtêm de estar impecáveis. As apresentações a serem feitas nas festas (as“atrações”da festa) -dedança, canto, jogos–exigemtambém longopreparo.Os corpos dos executantes precisam ser preparados com dietas. É precisoensaiar,oquesignificaaprendercommestresdecanto,demúsicaededança–todospessoasdeprestígio entreos índios.Emmuitos casos,novas canções edançastêmdeserapresentadasacadafesta,juntando-seàquelasmaisantigasqueosmestresensinam.Osespetáculosproduzidos,tantoporanfitriõescomoporconvidados,emuitas vezes em conjunto e oposição (voltarei a isso abaixo), sempreimpressionam.Eosíndiossempretêmlugaresprópriosparaapresentá-los,seuspalcosesalõesdefesta:dospátioscentraisdealdeiasaos“centroscerimoniais”estudados por historiadores e arqueólogos. Tudo isso está descrito nasmelhores etnografias americanistas. Mas a proposta de tomar a Festa comoreferência e recorte21leva a (re)ver esses ingredientes e protocolos de festaacima elencados em conjunto, em suas interrelações, em cada uma dasvariantesdasAméricas.Àabundânciadecomida,diversãoepresentes juntam-se,porvezes,osexcessosdebebidaseoutros inebriantes (que têmsidoanalisadoscombrilho 19Nemtodos,masistoficaparamaisadiante.20Taismimossãoanalisadosemtrocasdebensemuitasvezestornadosacessóriosderituais.21Na verdade, como eu disse no início, é uma matriz relacional, um operador, que geravariantes. 27 na Amazônia), que tornam todas asfestas passíveis de perigosos acidentes ebrigas.AscauinagensdosTupinambáhorrorizavamos jesuítaspelagritaria,aconfusão de corpos, o descontrole geral. As “bebedeiras são omaiormal dos[índios],dondelhevêmtodososoutros”,contavaAnchietaaLoyolaem1555(inSerafimLeite1956,II:194).LuisdaGrãconfirmava,noanoseguinte:esteeselpecadodequeparecemenosseemendarán,porquemuypocoes el tiempoqueno estanbeodos, y en esos vinos, que elloshazendetodaslascosas,setratantodasasmaliciasydeshonestidades(inSerafimLeite1956,II:294).Bataille (1933) chamava acertadamente a atenção para a noção deesbanjamento(notiondedépense),inspiradopelopotlatch.Asfestasdosíndiossãomesmolugaresdeexageroeextroversão.OcorrequeBataille,comotodos,segueadescriçãodeMaussnoEnsaiosobreadádiva22,quesegueadescriçãodeBoas,de algoque ficou conhecido como festade “destruição”depropriedadedospovosdaColúmbiaBritânica.ComomostraGoldman(1975:122ss),demodoincisivo e bem fundamentado, a espécie de instituição chamadapotlatch queganhou fama mundial não pode ser tomada como padrão das festas dosKwakiutl.OautorfaznotarqueBoasdescreveuopotlatchtalcomooobservou,num momento posterior a uma daquelas mortandades que os índios têmregularmenteenfrentadoemseus“contatos”comosbrancosdesdeainvasãodaAmérica.Adepopulaçãoprovocaraosurgimentodevários“postos”vagospelosquais “competiam” commercadorias importadas novos candidatos a chefe, oque não teria sido possível no contexto pré-colonial, quando apenas se"confirmava" um nome-posição, e não propriamente competia por ele. Ocaráter agonístico tão analisado no potlatch seria, assim, um traço ligado aomomento histórico em que foi registrado, não algo inerente aos rituais -Goldmansitua-sefrancamentenoplanodaReligiãoedoRitual-dospovosdolitoraldaColúmbiaBritânica.Inexplicably, because he had all the necessary data in hand [com omaterialposteriormenteproduzidoporHunt],Boasnevercorrectedhis 22Talobrapoderia,talvez,sechamarEnsaiosobreooferecimentoousobrealiberalidade. 28 earlymisconceptionofthe'potlatch',whichheobservedonlyinitsnewand commercialized setting [...]When the 'potlatch' is stripped of itsextremetraits(someofwhicharetheproductofinaccuratedescription)itdoesnotappearsooutofplacewithritualpropertydistributionsandexchanges among California Indians, northern Algonquian and PlainsIndians,andofcourse,AlaskanEskimos(Goldman1975:13,15). É essemesmo potlatch que Sahlins (2000) considera para desenvolversua ideiadedevelop-man (Sahlins 1992):umafesta inflacionadapelaafluênciade bens dos brancos, canalizados para “produzir [mais] diferenças internas”,comodizGordon(2006:349)dasfestasxikrin.Aqui nos interessa especialmente o final da citação acima, em queGoldmanreinsereopotlatchnoconjuntodefestasdeíndiosnorteamericanos;poderíamos estender às Américas. “Ritual property distribution”, eis o pontoimportante.Em lugardepotlatch, informaGoldman, “theKwakiutlemployedatleastfourterms",todoscomosignificadodedoar,distribuir-"giveaway"-tal como traduz Hunt (Goldman 1975:132-33)23. “Giving away property” é opadrão que ressaltam especialistas no que ficou conhecido como potlatch(Codere 1950; Suttles 1960). “Giveaway ceremonies” é onomequedãohoje aessas festas os nativos daColúmbia Britânica, os Lakota e outros índios dasPlanícies.Nãoé“destruição”apalavra-chave,masessetraço“delirante”dasfestasdedistribuiçãodaerapós-contatosugeriuaBatailleaideiadeuma“propriétépositive de la perte” (Bataille 1933:28). Seu ensaio, embora celebre agenerosidade–estaapalavra-chave–“orgíacaedesmedida”,concentra-seemideias como perda ostentatória, humilhação de rivais, um suposto desejo dedestruir24.Nocasodasfestasdosíndios,podemosguardardeBatailleaideiadapositividade do esbanjamento, mas não podemos concordar com a ideia da“despesa improdutiva” (Bataille 1933:30). O ponto, aquilo que interessa aosíndios e que reafirmam de vários modos, não é gastar, é dar. Quanto à 23Goldmanchamaaatençãoparaofatodequepotlatchneméumtermokwakiutl(parecenãoser propriamente Línguaalguma, mas uma corruptela), e conclui que, "by professionalstandards”, devia ser banida, já que sua manutenção representa "an embarassment at best"(Goldman1975:131).24Batailleconectacomosadismoeoerotismoeoopõeaoentesouramentoburguês. 29 produtividadedasfestas,tomandoemprestadasasobservaçõesdeViveirosdeCastro(1996:45)deque“maquinariaritual”,aoproduzirdiferençasinscrevendo“naterraenoshomenssignificados”,é“aprópriasociedade,enadamenosqueela” (Viveiros de Castro 1996:45), poderíamos dizer que entre os índiosesbanjamentos em festa produzem sociedades, nada menos que isso. Deixoparamaisadianteaquestãoda“sociedade”produzida.ValeaquilembrarqueaproduçãodaFestaestáinextricavelmenteconectadaàproduçãodaGuerra,ea“maquinariaritual”operaambas,demodoqueaFestanão“produzsociedade”sozinha.A bem dizer, embora não exatamente pelas razões desenvolvidas porBataille,háfrequentementealgoquepodeaparecercomosadismoedestruiçãonas festas dos índios. Os “excessos” ocorrem também quando um parconvidado-anfitriãoyanomamientabulaumdiálogoqueevoluiparagolpesquefazemcorrersangue,quandoosexecutantesdaSunDancetêmnacosdecarnearrancados,quandoomatadortupinambáéescarificado.Nãoéincomumhaverdortambémdoladodosiniciandosquejejuam,levamsovas,sãoferrados.Masaqui passamos para o outro lado, o da contenção, que as festas dos índiostambém costumam operar, conjugada ao excesso (Chapuis 1998:323; Yano2014:145). E aqui, precisamente onde reencontramos o dualismo fundante dopensamentoameríndio,queasfestasdos índioscomeçamaganharsuafeiçãoprópriaeseafastamdeoutrasfestas.Chegamos então à estranheza suprema das festas dos índios: pordefinição,nãosãofeitasemfamílianementreamigos.Explica-se,emrelaçãoaosSalish,queGiving to one’s own familywas not enough. The prestige flowed fromgenerosityandproperbehaviorbeingacknowledgedbeyondone’sownfamilyandgenerallybeyondone’sownvillage(Washington2004:589).EntreosWayananãohá festas sem“laparticipationactivedevisiteursvenus d'autres villages” (Schoepf 1998:108; ver também Barbosa 2012:840); asfestas wari “são trocadas tipicamente entre membros de dois subgruposdistintos” (Vilaça 1992:34). Nesse sentido, poderíamos ver na festa a“socialidade ampliada” para a qualPedroCesarino (2011:52) chama a atenção, 30 acertadamente, comoprojeto ameríndio.Nas festas dos índios os convidadossão necessariamente forasteiros: de outras aldeias, e também de outros“mundos” (mortos, “espíritos”, “animais”). Toda festa exige gente “do outrolado”, mas não é indispensável chamar gente de “outras aldeias”; é possívelfazê-las entre as “parcialidades” disponíveis in loco: metades,homens/mulheres,parentesdistantes/próximosetc.Os convidados, porém não são apenasforasteiros. “São 'inimigos' quevêmàfesta”,parausarumaformulaçãodeDalPoz(1991)arespeitodosCinta-Larga,equevaleparatodos.Ea“hostilidadeaberta”,característicadarelaçãoentreconvidadoseanfitriõesnasfestaswari(Vilaça1992:34),podeservistaemumsemnúmerodecasos.Comonamaior parte daAmazônia indígena, as festas e as cerimôniasrealizadaspelosAparaieWayanaseguemummesmoprograma,baseadonoantagonismoentredoisgruposenaintensacirculaçãodemensagensentreeles,vinculadasàcomida,àbebidaeacantos,entreoutrascoisas.Deumlado,osanfitriõesdaaldeiaondeserealizaa festa;deoutro,osconvidadosdeoutrascomunidades.Osprimeiros[…]seresponsabilizampelo acolhimento dos visitantes, pela oferta de comida e caxiri, sendoporissoconhecidostambémpor“donosdabebida”.Ossegundossãoos“dançadores”, […] aos quais cabe a execução das danças e dos cantos(Barbosa2012:840).TambémentreosWari’osconvidados,‘estrangeiros’,sãorecebidoscomchicha, peixe desfiado e farinha, e entram dançando e cantando na aldeiaanfitriã, observados por “mulheres e homens anfitriões, atentos e irônicos”(Vilaça1992:175).Essa(paranós)curiosamisturadeatençãoeironiaporpartedeanfitriõesdiantedeapresentaçõesdeseusopostos-parceirosocorretambémcomcertafrequência;seria,evidentemente,maisumadasmuitasoperaçõesdeoposiçãoecomposiçãorealizadasnasfestas.Muitodoexcessoquecaracterizaas festas dos índios liga-se diretamente ao fato fundante de convidados eanfitriões serem contrários: na Amazônia, é comum a bebida ser servida aosconvidadosemtomdedesafioeprovocação.EntreosWari,Os encontros entre anfitriões e convidados são marcados peladominação e a humilhação. A alimentação é um ato, de certa forma,agressivo e subjugante; tudo sepassa como seos convidados, antesdedesejar, fossem obrigados a comer. Alimentados, devem dançar. 31 Anfitriões, homens e mulheres, colocam-se em frente à linha decantadoresepassamtodootempoa ironizá-losenquantoelescantam,gritandoerindo:nãosabemdançar,têmpernastortas,narizgrande,etc(Vilaça1992:181).Os anfitriões permanecem “agarrados às suas bordunas, sempre em atitudeameaçadora”, durante toda a festa (Vilaça 1992:182), que inclui também o“momentodabrevevingança”,quandoéavezdosanfitriõesseapresentarem:[...] dispostos em linha, [os anfitriões] dançam e cantam como osconvidadosofizeram.[...]Osconvidadoscolocam-sedefrenteparaeles,e esta é a sua vez de ironizar e rir. [...] Não há propriamente umainversão.Os convidadosnão alimentamos anfitriõesque, por sua vez,mostram-se menos sérios e resistentes às brincadeiras [do que eles](Vilaça1992:184).Osmovimentos de festa entre anfitriões e convidados são variados; asoposiçõessãooperadasemconfrontosverbais,emdançasecantosalternadosecontrapostos, em competições, em diálogos cerimoniais; entre osWayana daGuiana,os“concoursdecachiri”seriamaúnicacompetiçãopraticadanasfestascontemporâneas (Chapuis 1998:442). Ao longo das festas, observam-seoposições e conjugacões entre anfitriões e convidados. A contrariedade quemarca sua relação costuma ser refeita25em atos e palavras, num vaivém quejamaisaabole.De início, anfitriões e convidados dançam no mesmo ritmo, frente afrente,masentoamcantosdistintos.Acadaumdosgruposcorrespondeum tema maior para improviso, a partir do qual, cada um de seusmembros deve compor uma pequena frase pessoal e exclusiva,[…] Emum segundo momento, anfitriões e convidados já não cantam maisseparados […]masmarcam juntos o compasso dos cantos […] Lá peloquinto dia de festa, a embriaguez e a animação de todos os presentesatingem seu auge, e a festa, seu clímax. Inebriados por tanta bebida,anfitriões e convidados percorrem o pátio da aldeia apoiados uns nosoutros, numa dança caótica sem qualquer coreografia determinada. Orelativodistanciamento e toda a etiqueta entre anfitriões e convidadosdosdiasanterioressãosuspensos.Acondutareservada,tãoprezadanoscontatos interpessoais cotidianos, dá lugar à extroversão generalizada(Barbosa2011:842ss).De todo modo, não há festa “em família”. Tanto é assim que os 25 Poderia dizer “reafirmada”, mas creio mesmo que é “feita” a cada performance,temporariamenteestabilizadaaofinaldecadafesta. 32 Mamaindê, por exemplo, chamam de “festas de brincadeira” aquelas em quenão há convidados forasteiros (Miller 2007) - tradução, mais uma vez,reveladora:“debrincadeira”porquefestas“deverdade”nãosefazem“comosdecasa”, exigem convidados “de fora”; na verdade, exigem um grupo-parceiro.Tanto quemesmo essas festas “de brincadeira” operam com oposições entregrupos,comoparentesdistantesepróximos,porexemplo.Ejáqueevocamosparentes,lembroqueaquiseconsideraoparentescocomoplanotransversal,aoqualnenhumadasoperaçõesdeFestaoudeGuerrapode ser reduzida. Resulta daí um afastamento radical em relação a análisesque supõem a “afinidade” como paradigma da inimizade, da diferença, daalteridade.Ditodemododireto:ocunhadoéumcontrárioeumforasteiro,masnemtodocontrárioou forasteiroécunhado.Osconvidadossãoafinsefetivosoupossíveis,masnãoénessacondiçãoquecomparecemàfesta.Aelevaçãodoparentesco à chave explicativa, no caso das festas, costuma inclusive causarproblemasaosanalistas.Vilaça,porexemplo,observa:Todaminha surpresana festa [...] foi verhomensemulheresverteremsempiedadepanelas emaispanelasdebebidanabocade seus irmãosreais. Em nenhum momento dirigiram-se a eles por termos deparentescoepareciammesmoosmaisanimadosnatarefadeembriagá-losefazê-losvomitar(Vilaça2006:128).Surpreendentemesmopareceainsistênciaemreduziraparentescoalgoque é de outro plano ou outra ordem. Mostram-no claramente dados comoesses: a mera suspensão dos tecnônimos de parentesco deveria bastar comoalertadequenãosetratadeumcontextoemqueoperemcoisascomo“irmãosreais”,nemconsanguinidadenemafinidade.Estamosemfesta.A jámencionadaSunDancedasplaníciesnorteamericanaséumótimoexemplodoefeitoqueumrecorteerradopodeter.Demodogeral,o“ritual”édescrito como um pedido de proteção para a realização de uma vingançapessoal,movidopelainsuportáveldordoluto.Lowie,numcapítulodedicadoàversão crowda SunDance, já começa descartando a ideia – à qual o evento,inclusive, deve o nome pelo qual ficou conhecido – de se tratar de algumaespécie de “culto ao sol”. Reaproxima-se da versão corrente quando define a 33 Sun Dance como “essentially [...] a prayer for vengeance” (Lowie 1935:297).Passa, então, adescrevê-la.Primeiro, alguém resolve fazerumaSunDance,ochamado “Whistler”, e precisapara issodeum “medicine-man”, que se torna“masterofceremonies”;essesdoissãoos“onlyindispensableactors,andtheirritualformedthecoreoftheentirefestival”(Lowie1935:297-8).Játemosaíumligeiro, mas significativo, deslocamento: aquilo que era considerado comodefinidordaSunDancepassaaserum“ritualcore”deum“festival”.Prepara-se,assim,odeslocamentoprincipal,quevemimediatamenteemseguida:Rationalistically, we might go so far as to say that the rest was meredecoration, but that would miss an essential aspect of the nativeattitude.To theCrowtheSunDancewaspreciselynot anoccasion forrightingaprivatewrongbutapublicspectacleinwhichthewholetribetook part, as performer or spectator (Lowie 1935:298; itálicos nooriginal).Segue a minuciosa descrição das quatro “preparatory performances” (Lowie1935:305-8) de que se encarregam cantores e cantoras, o xamã “mestre decerimônias” e sua esposa, o “donoda festa”, tocadoresde tambor, guerreiros;canto, dança e tabaco. Nas páginas seguintes, a observação detalhada dasatividades sustenta a afirmação de que “the whole tribe” participava, e sãodanças,cantos,discursos.Lowiemencionacaçadascoletivasaobúfalo(308ss),de exame das peças trazidas pelos caçadores (:310) e uma pantomima queocorre em paralelo à “first night’s cooking” (:320). A parte banquete da SunDance, da qual se pode desconfiar, desaparece. E mesmo o aspecto deespetáculo popular que, apoiado na “atitude nativa”, tinha começado pordestacar,acabasetornandoacessórionainterpretaçãofinaldopróprioLowie:oprincipaléavingança.OsCrowresultamparecidoscomososTupinambá.E,como sempre, os americanistas deixam de lado a comida, as conversas. Obanqueteantropofágicotupieraumafesta.ASunDancetambém.OrecorteindevidotambémdesviaclaramenteFernandesquando,porexemplo,resolvediscordardeThevet:Embora Thevet afirme categoricamente que o conselho [dos anciõestupinambá] se reuniapara tratardequalquergrandeempreendimento,‘querbélicoounão’,deliberandosobretodasasquestõesdeimportânciacoletiva, as indicações explícitas referem-se simplesmente à execução 34 dos prisioneiros e à guerra. Assim, cabia aos gerontes considerar aoportunidadedosacrifícioritualdosprisioneiroseafixaçãodadataemquedeviaserrealizado(Fernandes1963:334).Ora, decidir o “sacrificio ritual dos prisioneiros” significa dar início a longosprocessos de preparação que, comomencionado no início, envolvem todo ogrupoanfitrião.A“execução”eraaatraçãoprincipaldeumagrandefesta,commuitagente,muitabebida,comida,apresentações,dançasetc.Acauinagemerasimplesmente o grande empreendimento coletivo. E como todas as festas dosíndios,estáeivadadeguerra.Entreanfitriõeseconvidados,arelaçãoédecontrariedade.Afestapode“confirmar nos ódios” seus participantes, mas pode muito bem desandar etransformareminimizadedeclarada.Numerosas“históriasdeantigos”(mitos)e de memória de vivos falam de festas das quais se originaram oposiçõesduradouras.Umadelas,adobiguá,emquempropusverochefedospássaros(Perrone-Moisés 2011). Trata-se de um mito contado por Lévi-Strauss (1964:309-310):Oshomenseospássarossealiaramparadestruiraenormesucuriqueatacavatodososseresvivos.Mastodososcombatentes,amedrontados,alegavamquenãopodiamlutarporquesósabiamfazê-loemterrafirme.Obiguáfinalmenteteveacoragemdeentrarnaáguaeferiudemorteomonstro,queficavanasprofundezas,enroladonasraízessubmersasdeuma árvore imensa. Lançando gritos terríveis, os homens conseguiramtiraracobradaágua,mataram-naeesfolaram-na.Obiguáreivindicouapele comoprêmiopor suavitória.Os chefes índios, em tomde ironia,disseram: “Mas, claro ! Pode levar!” – “É para já!”, respondeu omergulhão,fazendosinalparaosoutrospássaros.Cadaumdelespegouum pedaço da pele com o bico e, juntos, levantaram voo com ela.Envergonhados e enfurecidos, os índios se tornaram inimigos dospássaros desde então. Os pássaros pousaram num local distante paradividir a pele. Concordaram que cada um ficaria com o pedaço quetrouxera em seu bico. A pele tinha cores maravilhosas: vermelho,amarelo,verde,pretoebranco;eeracobertadosmais lindosdesenhosjamais vistos. Assim que cada pássaro pegou o pedaço que lhe cabia,ocorreuomilagre:atéentão,todoseramsombriose,derepente,ficarambrancos, amarelos, verdes... Os papagaios se cobriram de verde evermelho, e as araras de penas até então desconhe cidas: rosadas,púrpuras,douradas.Paraobiguá,quetinhafeitotudo,sobrouapenasacabeça,queerapreta.Maselesedeclarousatisfeito. 35 Resultam dessa festa promovida pelo biguá as cores dos pássaros; e aoposição entre homens e pássaros. Muitas outras contam festas-armadilha,planejadasparaatrair inimigoseacabarcomeles,comoosFlathead: contamque Coiote convidou os patos para uma dança e inventou um pretexto paraexigir que o fogo fosse apagado; aproveitando-se da escuridão, estranguloutodas as aves, uma após a outra, sem ser visto. (Lévi-Strauss 1971).Os YudjácontamquecertavezosSuyáconvidaramalgunsdelesacomermingaueemseguida os mataram (Lima 2005:107-8). Toda cauinagem pode, como as dosantigos,dizemosYudjá, "culminaremmorteecanibalismo" (Lima2005:253),todafesta,eivadadeguerra,podedesandar. 36 PORQUERELERCLASTRESA “política” é, como se sabe, um dos temas mais clássicos daantropologia.Hárelativamentepoucostrabalhosdeanálisedoaspectopolíticoentreosamericanistas,emaisrarosaindasãoosquefazemdapolíticaumtemacentral26.Enquantoisso,otemacontinuavasendoelaboradonaÁfrica(ondesecostumasituarseusurgimentocomosubdisciplina)e,cadavezmais,comumricoaportepolinésioemelanésio.PartindodoartigoseminaldeSahlins(1963),passando pelos desenvolvimentos propostos por Godelier (1982) e pelascontribuiçõesreunidasporeleeporM.Strathern(Godelier&Strathern1991),que avançam e renovam a discussão para aquela área etnográfica, percebe-seclaramentequeaquestãodosprocessosdetransformaçãoedepassagementreváriostiposdeorganizaçãopolíticacontinuainteressandoosantropólogosemoutras regiões. Entre os americanistas, o tema era enfrentado sobretudo porarqueólogos, enquanto os etnólogos, afastando-se cada vezmais de Clastres,esquivavam-sedequestõespolíticas.A grande questão dosmecanismos da evolução em direção ao Estadocomeçara a ser deslocada por Lowie (1927), o primeiro dos etnólogosamericanistasquechamouaatençãoparaumfatonotado-comespanto-desdeosprimeiros encontros entre europeus e índios, e capitalquando sepretendeentenderoquepode ser,aqui,apolítica:nasAméricas27,ninguémmandaemninguém. A partir de um estudo comparativo entre sistemas políticos dasAméricas, Lowie (1948) é pioneiro em apresentar um conceito de chefiapropriamente americano,odo chefe sempoder.E sepôde fazê-lo,diga-sedepassagem,issosedevetantoàsuafinezacomoetnólogoepensadorquantoasuacolaboraçãocomNimuendajú,que lhepermitiu incluirnovosericosdadosdaAméricadoSulemseumodelo. 26Kracke(1978)éexceção.27NãopensavamLowie,nemClastres,nasAméricas,massimnassociedadesameríndiasnão-civilizadas.Sugiro,contudo,queaausênciadepoderdemandosejaumtraçofundamentaldetodasasnaçõesindígenas. 37 Nessemodelo que Lowie, à diferença de Clastres, não pensava comoválido para as sociedades primitivas em geral,mas apenas paraasAméricas,distinguiam-sedoistiposdechefes:o“strongchief”,umchefequedefatodetémalgumpoderdemando,eo“titularchief”,estesimcaracterísticodos“aborígenesamericanos”que,comoonome indica,dechefepossuiapenaso título (Lowie1948, 1960). Mas foi Clastres que, pensando a sociedade primitiva, masfrancamente enraizado na América do Sul, que consagrou e divulgou essacaracterísticadasformaspolíticasdosíndiosnafigurado“chefesempoder”.LespremiersvoyageursduBrésiletlesethnographesquilesontsuivil’ontmaintes fois souligné: la propriété la plus remarquable du chef indienconsisteensonmanqueàpeuprèstotald’autorité(Clastres1974:23).ÉessaacaracterísticaqueprovocaopensamentodeClastresealimentaograndedeslocamentoquepropõe,do“semEstado”ao“contraEstado”.Háumaausênciade fundo, afinal, eperturbadorapara a filosofiapolíticade cá. Seriapossívelumapolítica sempoder?Oque seria isso? Atéentão,aantropologiapolíticapareciaconceberapolítica semcentralização,masnão sempoder.Naausênciadepoderdemandoecoerção,estaríamosemplenaanarquia;algunsdiriam,emsociedadespré-políticas.Oschefesíndiospropõemdesdesempreaopensamentodecáumenormedesafio:chefesexistem,masopodernão.Clastresnosconvidaaenfrentá-loeaalargarnossosconceitosdepolítica.Oparadigmado“chefesempoder”foilogocriticadoporespecialistasdeoutras áreas etnográficas,que admitiam a aplicabilidadedanoção à área sul-americanaparaaqualenaqualfoiconcebida,masrecusavam-naemrelaçãoaoutrassociedades“primitivas”queestudavam.Clastreseraexplícito:apropostavaleriapara“lasociétéprimitiveengénéral”(Clastres1980).Oscontraexemplosetnográficoscomeçaramavirdetodaparte,inclusivedaprópriaAméricadoSul,área original domodelo. Clastres não pôde responder nem desenvolver suasideias. E o interesse pela “política” foi expressamente abandonado pelosamericanistas durante um bom tempo. Certos críticos foram especialmenteagressivos,comcerteza indignadossobretudocomotom impetuoso,soixante- 38 huitard,deClastres,queésuaforçadeclássico28.EntreelesTerray,quecensuraaabordagemdeClastresporses identifications à l’emporte-pièce, ses extrapolations effrénées, sonépistémologie simpliste, qui en font une nourriture de choix pour lapenséepressée(Terray1989:27).Acríticatinhafundamento.Masosetnólogosamericanistaspoderiamterfeitoomesmoquecolegasmelanesistasepolinesistas,porexemplo,edebatercuidadosamente um modelo proposto antes de descartá-lo por suas falhasetnográficaseimprecisões.ClastresretomaumalistadequalidadesdochefesempoderjádestacadaporLowie(1948):exige-sedochefeíndioqueseja“faiseurdepaix”, que seja generoso e bom orador. Clastres tira daí ideias e perguntasdesconcertantescomo:seaquiochefeésujeitoaogrupoenãoocontrário,porquealguémquereriaserchefe? O fatoéquenasdécadas finaisdoséculoXX,quandoaproduçãoereflexãodesulamericanistascresceramexponencialmenteemquantidadeequalidade,apolítica tinha sidodeixadade lado.AcríticadeDescola (1988), aparentemente mais suave, porém de efeito ácido, tevecertamenteaíumpapelmaisimportantedoquecríticascomoasdeTerray.Nesseartigode1988,Descoladefendequel’usagedecettecatégorie[política]estinutilepourrendrecomptedela structure et du fonctionnement de certaines sociétés qui fontl’économied’unorganeeffectifdegestiondesaffairespubliques(Descola1988:825).Já de saída é curioso que ele comece pelo que chama de “definiçãominimalistadopolítico” paradescartar a política pela ausênciadeum “orgãoefetivodegestãodosassuntospúblicos”,concepçãobemmaisestreitadoqueade Clastres. E se Clastres desafiava a pensar a política sem poder, Descoladescartaapolíticamasmantémopoder,deslocando-o:la plupart des sociétés amérindiennes expérimentent quotidiennementunpouvoirpeut-êtreplusimaginairemaissansdoutemoinsabstraitquelanégationde l'autorité politique par la chefferie impuissante.C'est lepouvoir…dontsontcréditésleschamanes(id.ib.:823). 28Geraçãoapósgeração,Clastrescontinuasendoumautorqueseduzalunosdeprimeiroanode graduação para a antropologia, pela ousadia que nele sentem e pelas aberturas quepressentem. 39 Curiosomesmoéqueumapropostaassimformulada–maisimaginárioemenosabstrato?-possatersidotãodecisivaparaumenterrotãoprematurodasideias quanto fora o do corpo deClastres.A afirmação deDescola de que associedadesamazônicas"conferemmenoscentralidadeaoritualeàreproduçãopolíticadaordemsocialhumana[...]doqueàeficiênciadassuasrelaçõescomosmúltiplosatoresdouniverso"coaduna-secomoquepareceserumahipostasiado "cosmológico" nos interesses dos americanistas em detrimento de"sociológicas"ao longodasúltimasdécadas.Oschefes foramdeixadosde ladoenquanto se atrbuía aos xamãs o "verdadeiro" (superior?) poder entre osameríndiossulamericanos.Etnólogossulamericanistasduranteanosreiteraramadúvidaemrelaçãoao que seria (ou como seria), para os índios, o que chamamos de “política”.Muitosoptarampordeixaroassuntodelado,evitandofalardechefesefacções,aindaque(oujustamenteporque)reconhecessemasevidentesconexõesentre“política”e“ritual”,enquantodescreviamemtodaasuabelezaecomplexidadegrandesfestas;comumentequalificadascomo“rituais”(oucomotaisencaradas,oquedánomesmo)e,porisso(?),distintasda“política”.Enquanto isso, os arqueólogos mantinham-se interessados pelas“perennial issues [:] the development of social stratification and politicalcentralization” (Dietler 2001:66) caras aClastres. São arqueólogos quepuxamumencontroentrearqueólogoseantropólogosdedicadoa“banquetes”,doqualresulta uma coletânea que dialoga diretamente com este ensaio, intituladaFeasts. Archaeological and Ethnographic Perspectives on Food, Politics andPower(Dietler&Hayden2001).Naintroduçãolê-sealgoqueseaproximamuitodoqueaquiproponho:thinkingaboutfeastscan,andshould,provideanimportantpointofdepartureforunderstandingsociallifeinpastandpresentsocieties.Inparticular,thetimeislongoverdueforfeaststobetakenseriouslybyarchaeologistsasasignificant–perhapsacentral–socialpractice.[...]transformingfeastsfromsomethingconsideredasepiphenomenaltriviaworthyoflittlemorethanbemusedspeculationintoasubjectof 40 recognizedimportanceandanalyticalutility[...](Dietler&Hayden2001:1) Note-se que “feast” é “banquete” e não “festa”, o que explica o recorteexplícitonosubtítulodacoletâneaconectandoalimento,políticaepoder.Jáorecorte linguístico faz com que em português a comida não se ponhaisoladamentecomocategoria:comidafazpartedoqueseentendepor“festa”,tanto quantomúsica e dança, por exemplo. A coletânea abriga e expõe duasgrandes vertentes analíticas a que se filiam os arqueólogos, já presente nopróprio par de organizadores. Deixo que eles mesmos descrevam suasperspectivas:ForDietler,thesewords[prestigeandstatus]describecrucialaspectsofthekindofsymboliccapitalthatisanecessaryconditionforbecomingandinfluentialmemberofsociety.Theyarethepreconditionsfordeveopingthemoralauthoritytoinfluencegroupdecisions,exertleadership,andwieldpower–orresistthepowerofothers.Theyaretheessentialelementsofthepossibilityofpoliticalaction[...]FromHayden’sperspective,ontheotherhand,‘prestige’and‘status’intraditionalsocietiesaresimplyeuphemismsforeconomicsuccessandpoliticalpower(Dietler&Hayden2001:14-15)Dietler, na esteira de Sahlins, considera a “necessidade”, o “interesse” e a“sobrevivência” artefatos culturais, ao passo que Hayden, seguindo MarvinHarris,toma-ospordadoseapartirdelesanalisaoscasosempíricos29.Detodomodo, mantêm-se firmes em todas as análises categorias como política,economiaereligiãodequequeroaquimeafastar.De volta à proposta inicial dos autores reproduzida acima, com asmodificações impostas pela análise e permitidas pela língua, diria quepensar 29Estas análises,dedicadas àdemonstração,principalmente apartirdo exemplodos "estadosarcaicos",dequeaemergênciadoEstadopodiaserdiretamenterelacionada,numencadeamentocausal,afatoresligadosàproduçãodealimentos,remete,evidentemente,aleiturasdahistóriaedasformaspolíticasinspiradasnaobradeMarx.Noâmbitodaantropologia,estaperspectivaquetemnainfra-estuturaomotorcentraldapolíticaenfrentariacríticasdiversas,fundadastantoemrefutaçãoteóricacomonaapresentaçãodecontra-exemplosempíricos,quesetornavamcadavezmaisnumerosos.Umadascríticasmaisrecentesdestetipodeperspectivapodeserencontradaem L’idéel et le matériel (1984), em que M. Godelier advoga pela impossibilidade decompreender quaisquer processos políticos demudança, sempre extremamente complexos eafetados por inúmeros fatores de várias ordens sem levar em conta tudo aquilo que, novocabuláriomarxista,éclassificadocomosuper-estrutura. 41 festas são a chave para entender a vida social dos índios e que deveria serconsideradocomo“asubjectofrecognizedimportanceandanalyticalutility”.O fato, ainda a esperar esclarecimentos, embora Clastres e suaspreocupações tenham sido recuperados por etnólogos americanistas nosúltimos anos, é que desde os primeiros encontros chamou a atenção doseuropeus a “independência” dos índios, que não se submetiam à autoridadealguma. Em meados do século XVIII, o jesuíta Charlevoix resumiaexemplarmenteodesafiopostopelosíndiosàfilosofiapolíticadecá:Oncroiraitd’abordqu’ilsn’ontaucuneformedegouvernement,qu’ilsne connaissaient ni lois ni subordination, et que, vivant dans uneindépendenceentière, ilsse laissentuniquementconduireauhasardet au caprice le plus indompté; cependant, ils jouissent de presquetous les avantanges qu’une autorité bien reglée peut procurer auxnations les plus policées. Nés libres et indépendants, ils ont enhorreur jusqu’à l’ombre du pouvoir despotique, mais ils s’écartentrarementdecertainsprincipesetdecertainsusagesfondéssurlebonsens,quileurtiennentlieudeloietquisuppléentenquelquefaçonàl’autorité légitime.Toute contrainte les révolte,mais la raison touteseule les retient dans une espèce de subordination30qui, pour êtrevolontaire, n’en atteint pas moins au but qu’ils se sont proposés(Charlevoix1744,III:341).Ofatoéqueosíndiostêmchefessempoder,generosospordeverdeofício. 30Emrelaçãoàéticadecontençãocorporalcompartilhadapelosíndios,verLévi-Strauss1968. 42 CHEFEANFITRIÃOEm outubro de 2010, enquanto se encarregava de um dos muitospreparativos para uma festa na aldeia Bona, no médio Paru de Leste (PA),Merekuku Aparai presenteou-me com a afirmação de que "dono de festa écomo chefe". Enquanto eu acompanhava suas atividades como aporesemy(donodefesta),conversávamossobrecaciques,poisentendera"políticadeles"erameuobjetivoexpressoali.Todasasnoites,ao longodeduassemanas,elevinhaconduzindocomaajudadedoisvelhosmaissabidososensaioscomasflautas–cujotipodecidiraefabricaraelemesmo.Passavaosdiastestandoosinstrumentos,rememorandoascanções,providenciandoosadornos.Suacasa,onde eu estava hospedada, centralizava a produção: os tamo (velhos, avós,sábios)visitavam-naparaopinareajudarnaconfecçãodepeçasparaasdanças,as mulheres vinham aprender a confeccionar as peças de algodão com suaesposa Xihpatae, que coordenava também a produção de caxiri e foiindispensável no momento de cobrir os participantes com os elaboradosmotivos característicos da pintura corporal wayana e aparai –mais uma artequaseesquecida,querarasmulheresbemformadasaliaindadominam.Noto,antesdeprosseguir,umpersistenteandrocentrismonasdescriçõese análises de formas políticas nas Américas, consistentemente em busca dechefes, xamãs e outras lideranças homens. Pesquisas focadas em “mulhereschefes/xamãs”, longe de resolveremo problema, apenas o invertem: a chefia,entre os índios, é patentemente um cargo que só pode ser assumido por umcasal. “Toda a aldeia araweté reconhece [...] um casal como ‘nossos líderes",escreve Viveiros de Castro (1996:305). “Highly typical is the conception ofmarriedcouplesasunits”,dizLowie (1935:259)a respeitodosCrow.Opapeldas esposas de chefe e donos de festa está longe de ser coadjuvante noestabelecimento do prestígio do marido, mesmo porque não existe chefe 43 solteiro31. Emmuitos casos, os próprios termosnativos tratamde emparelharchefes e suas mulheres, reconhecendo-as como “chefas”, ou melhor, comoparte-mulher-daliderança,mesmoqueasdescriçõesinsistamemtomá-laspor“mulheresdechefe”.Nocasodosíndios,nãohá“primeirasdamas”ou“príncipesconsortes”aacompanhar“chefes”e“chefas":sãocasais.Asesposasdosgrandesguerreiros tupinambánãoprecisavammatar inimigospara fazerem jus, comoseusmaridos,aumlugarnoquepoderíamoschamarde“aldeiadosmortosderenome”,nãoporqueoprestígiodeles as carregasse,digamos assim, como setendeaconsiderarqueelasmesmasadquiriamprestígiocomoanfitriãs,donasdefesta.Nomomentoemque fezo comentárioque serviude inspiraçãoa esteensaio,Merekukuorganizavaadelicadadistribuiçãodasmiçangas(trazidasdeSãoPaulo)etecidos(compradosemMacapá)parafazerbelososparticipantes.Comentoucomigocomoeradifícilconseguirqueninguémsesentissepreteridona distribuição - ao mesmo tempo, parecia conformado com o fato de quesempre haveria descontentes, por mais que se esforçasse. Foi esse desafiocompartilhadocomchefescomoosdosSuyá,que“quando[...]distribui[...]nãodeveesquecerninguém,edevedarequitativamenteatodos”(Seeger1980:109),quesugeriuaMerekukuacomparaçãoentrechefeedonodefesta.Suafamíliaacabousemnenhumcortedetecidonovo,etiroudopróprioacervodecordõesdemiçanga para enfeitar alguns dos participantesmenos providos. Com umsorriso, ele disse apenas: "tive de dar tudo". Inverti a comparação, e desde omomentoemquepasseiaconsiderarque“chefeécomodonodefesta”,admitia Festa comomatriz e a relação anfitrião-convidado comomodelo. Todas asquestõespertinentesà“políticaameríndia”foramdeslocadasapartirdaí.NaAmérica, foiMorgan,primeiroantropólogo(Trautmann)eprimeiroamericanista que inaugurou os estudos sobre a relação entre “chief and 31Viúvosouviúvaspodemexercerliderançaseserdonosdefestas.Masnessecasocontarácomfilhas e genros, cuja colaboração é sempre indispensável. Parece normal que os índiosconcebam também a produção de festas como gerada obrigatoriamente pela relação entrecontrários; neste caso, o par primordialmasculino-feminino. Se o casal é a unidademínima,logicamenteumcasalsozinhonãopodeoferecerfestas. 44 follower—the earliest and lowest political relation between man and man32”(Morgan1851:62).Oprestígiojáapareciacomforça,aoladodaincapacidadedemandar. Por toda parte e desde cedo, os índios todos apareciam como osIroqueses:[ils]n’étaientpasdespersonnescontraignables.Donnerunordreauraitétéressenticommeuneinsulte(Viau1997:87).EntreosTupidaCosta,Anchietadeplorava,em1554:Não estão sujeitos a nenhum rei ou chefe [...] por isso, quando osjulgamosganhos,recalcitram,porquenãoháquemosobriguepelaforçaa obedecer; os filhos obedecem aos pais conforme lhes parece; efinalmentecadauméreiemsuacasaevivecomoquer”(inLeite1956,II:114).JeandeLéryconfirmavaquenãotinham“entreeuxniroisniprinces”eeram“presqueaussigrandsseigneurslesunsquelesautres”(Léry1580,cap.14).NacostadasGuianas,em1666,LefèbvredelaBarrefaziaamesmaconstataçãoentreosGalibi:Les Indiens n'ont aucun souverains, caciques, ny seigneurs, nereconnaissans aucune supériorité entre eux. Les plus anciens danschaque famille, y sont respectez comme les chefs; et comme chaquefamillehabitesoncantonenparticulierassez loin lesunsdesautres, ilestassezdifficilequ'ilspuissentformeruncorpsenpeudetemps.Ilsontquelquessubordinationspourlescommandementsdelaguerre,élisantpour cet effet un général qui donne le temps du rendez-vous, le lieud'iceluy, l'ordrede lamarche, et celuide l'attaqueetducombat; aprèsquoiiln'aplusd'autorité:ilslesontparlechoixdeschefsdefamillesdeleurnation,quis'assemblentenunfestin…oùilsrésolventleursguerres,etdécidentdel'électiondeleurgénéral(apudChapuis1998:28).Ao longo dos séculos, a observação é repetida em todos os cantos daAmérica: 32Aqui o androcentrismoédeclarado.E, emborapossaparecer óbvio, em se tratandodeumsenhor de meados do século XIX, cabe lembrar que entre as várias batalhas movidas porMorgan como cidadão, advogado e (por pouco tempo) político, estava o voto feminino. E seconsideravaaorganizaçãopolíticairoquesacomosuperioratodas(verarespeitoDrago2012)era, em grande parte, devido ao lugar dasmulheres.Morgan, diga-se de passagem, tambémlutou–avidatodacomafinco–pelosdireitosdosíndiosepelosdireitosdosanimais.Alguémquenaquelaalturaconsideravaqueovoto femininoeraumavançomaisdoqueurgentenãopodesertachadosimplesmentedemachista.Aindaassimarelaçãopolíticaéconcebidacomoentrehomens... 45 Engénéral[les]Chefs[desHurons]nereçoiventpasdegrandesmarquesde respect, & s’ils sont toujours obéis, c’est qu’ils sçavent jusqu’où ilsdoiventcommander. Ilestvraimêmequ’ilsprientouproposentplutôtqu’ils ne commandent, & jamais ils ne sortent des bornes du peud’autorité,qu’ilsont(Charlevoix1744:268).El cazicazco es una especie de dignidad hereditaria como nuestrosmayorazgos,peroesmuysingularporqueelque laposeenodifieredelos demás indios en casa, vestido ni insignia; ni exige tributo, respeto,servicio, ni subordinación, y se ve obrigado a hacer lo que todos paravivir.Tampocomandaenlaguerra,ysiestonto ledejanytomanotro(FelizdeAzara1847,apudPimentel2012:123).Emseutextofundamentalsobrea“filosofiadachefiaindígena”,Clastresresumeepontua:Les premiers voyageurs du Brésil et les ethnographes qui les suivirentl’ont maintes fois souligné: la propriété la plus remarquable du chefindienconsisteensonmanqueàpeuprèscompletd’autorité [...]C’estdoncbienledéfautdestratificationsocialeetd’autoritédupouvoirquel’on doit retenir comme trait pertinent de l’organisation politique duplus grandnombredes sociétés indiennes33. [...]Àun esprit formépardes cultures où le pouvoir politique est douédepuissance effective, lestatut particulier de la chefferie américaine se pose donc comme denatureparadoxale: qu’est-cedoncque cepouvoir privédesmoyensdes’exercer? [...]Cequ’il s’agitdecomprendre,c’est labizarrepersistanced’unpouvoiràpeuprèsimpuissant,d’unechefferiesansautorité,d’unefonctionquifonctionneavide(Clastres1974:26-27).ClastresentãoretomaLowie(1948)elistaos“traitsdistinctifs”dessetipodechefe:emprimeirolugar,temdeserum“fazedordepaz”,umpromotordeconcórdia; em segundo lugar, tem de ser generoso e satisfazer todas asdemandas de seus “administrados”; e, finalmente, “seul un bon orateur peutaccéder à la chefferie” (Clastres 1974:27).Ora, são qualidades exigidas de umanfitrião: tem demanter o “moral alto” e a concórdia entre os seus, que sãomembros do seu grupo e convidados (não ‘administrados’,mas ‘seguidores’),temdedaratodoscomjustiçaeliberalidadetudooquetiver,esuacapacidadeoratóriaéfundamentalparadesempenharsuasfunções.Comoseveráadiante, 33Clastresexcluiassociedadesamericanas“estratificadas”.Nãopareceserjustificadosepararastaissociedades“hierárquicas”dasdemaisnareflexãosobreas“políticas”dos índios.AcitaçãodeAzara,nestapágina,mostraquemesmonoChacoencontramosochefesempoder. 46 essa lista, preocupada com a delimitação de uma função “política”, deixa deladoexigênciasdocargodechefiafrancamentesituadasnoladodaFesta:sabercantar e dançar, ser “detentor” de objetos de festa, simplesmente saber fazerfestasetc.ÉnaFesta,tambémobrigaçãodechefe índio,queasqualidadesdo“cargo”aparecem.EmboraClastresuseadvérbioscomo“quase”e“aproximadamente”paradescreveressa“paradoxal”chefiasempoder,afórmulaquecriouparadesignara particularidadedos chefes índios, e queos tornou famosos, foi “chefe sempoder”.E,defato,seháalgoqueesseschefesnãotêm,époder:Ifweseektheirwarrantfortheexerciseofpowerintheetymologyoftheword[…]bywhichthesachemswereknownasaclass,itwillbefoundtointimateacheckupon,ratherthananenlargementoftheirauthority;foritsignifies,simply,"counsellorofthepeople"…(Morgan1851:70).Strictly speaking, the chiefs are relieved of political control, becauseprivateandpubliclifeisrestrictedbyanomnipresentceremonial,whichactually leaves little scope for individual assertiveness. The normalcourse of economic and social life is assured by conformity to thiscustomary law,which the chiefs and council donot create butmerelypreserve [...] The chiefs of the Ramko'kamekra lack all badges ofauthority(Nimuendajú&Lowie1938:71,73).[Indian] Leaders lacked the power to dictate or to enforce theirdecisions. Their rule depended on their performance, their powers ofpesuasion,andtherespecttheywereaccorded(O’Brien1989:16).Asegundaqualidade listadaporLowieeClastreséagenerosidade,eénessepontoquearelaçãoentrechefesíndioseosseuspareceinvertertodasasnoçõesdechefiadecá:[...] lagénérositéparaîtêtreplusqu’undevoir:uneservitude.[...]Cetteobligation de donner, à quoi est tenu le chef, est en fait vécue par lesIndiens comme une sorte de droit de le soumettre à un pillagepermanent. Et si lemalheureux leader cherche à freiner cette fuite decadeaux, tout pouvoir, tout prestige, lui sont immédiatement deniés(Clastres1974:28).Agenerosidadedeveriaconstarcomoprimeiraexigência,jáquetambémdesde cedonotou-se que os índios prezam-na acimade tudo, por oposição àavareza,correlativamenteomaiordefeitomoralconcebível. 47 Aoegoísmoinicialquecausouabriganocéu[...]osAraraopõemumaformamais generosa de interação aqui no chão [...] Esses dois valoresestabelecem os limites polares das várias formas de relacionamentosocial(TeixeiraPinto2000:410).Assim,entreosSliammon(Salish):Headmen […] were expected to be dignified, tolerant, generous, andmodest andbe expert in intervillage affairs. […]Hewas the individualwho possessed the power of wealth and big ancestral names and inwhose name feasts and potlatches were sponsored (Washington2004:592).Daobrigaçãodedartudooquetem,resultaqueochefeéoqueusa“osornamentos mais miseráveis” (Clastres 2003: 48). As grandes festas naColúmbiaBritânica comono altoXingupodemarruinar seus patrocinadores.Nomomento da realização da festa, entre todos os participantes, o dono dafestaesuaesposaeramdefatoosúnicosenvoltosemtecidosusados.DisseramosCaxinauá aYanoque “é o chefequepensa, que recebe aspessoas” (Yano 2014:131); generosidade e hospitalidade são, como mostra aautora,asqualidadesconstantementeressaltadasquandoseperguntaaelesoqueé‘pensarbem’;ecomoemtantosoutroscasos,apessoaque“sabe”,“pensadireito/correto”,é“bela”eprestigiada.Documentadonasfontesquinhentistas,oprotocolotupiderecepçãoaovisitantecomeçavapelainstalaçãodoconvidadonumarede,nacasadochefe.Depois de banhado e descansado, o convidado recebia comida. Passadomaisalgum tempo, o chefe lhe oferecia tabaco, para só então iniciar a conversa.Entre osWayana, já um dos primeiros visitantes europeus, no século XVIII,registrava o fato de "pendurarem a rede do convidado e o convidarem adescansar antes de qualquer outra coisa” (Tony). Os Crow convidavam ovisitanteasentarelheofereciamtabaco;assimLowiepresenciou:Hospitality is stillcarried toextreme lenghts. IknowofoneCrowwhoinvited a kinsman and hiswife to spend the Fourth of Julyweekwithhim.Thecouple tarried forweeks, and since thevisitingwifedespisedanyfoodexceptbeef,thehostwashardtoputittopurchaseprovisions.Butitwouldhavebeenquitecontrarytonativeetiquettetomurmuranycriticismoftheinconsideratevisitors(Lowie1935:90). 48 Ahospitalidadeameríndia,tambémnotadadenorteasuldocontinentedesde os primeiros relatos, declina-se em intrincadas variações. É semprecultivada; modo da generosidade, a hospitalidade é outra marca do chefeameríndio34."Saberorganizaropessoal"–foioquerespondeuMerekukuquandolheperguntei,falandodasucessãonaaldeia,oqueémaisimportanteparaescolherumcacique. JáLowie (1948)notavaa importânciado "talentoorganizacional"dochefe.Apalavranambikwaraparachefeparecesignificar“oqueune”ou“oquereúne”. Essa etimologia sugere que o pensamento nativo tem plenaconsciênciado fenômenoextremamente importante [...]dequeo líderse apresenta antes como a causa da vontadedo grupode se reunir doquecomoresultadodanecessidade,sentidaporumgrupojáconstituído,deumaautoridadecentral(Lévi-Strauss,1967:52).Éochefequecomeçaummovimento,congrega,fazaldeias:[...]umadasprincipaiscaracterísticasdeumgrande[chefekalapalo]:eleéumapessoacapazdeagregar,fazercomqueaspessoasdesejemviverjuntasemsuaaldeia–enãoemoutra.Aspessoaspodemsemudarparaondebementenderemequandobemquiserem,masoqueprovocaessetipodemovimentoé,ouacriaçãodeumaaldeiaprópria,ouodesejodevivernaaldeiadeoutrochefe.[…]ochefeépensadocomoumprotetor,alguém que cuida de suas “crianças” (seu povo) oferecendo comida,objetoseconselhos(Guerreiro2012:73-74).[...]traduçãodapalavra"chefe"embororo(cf.Albisetti&Colbacchini)é"aquelequefazconstruiraaldeia"(Drago2012:65).“Os Kalapalo dizem que as pessoas não conseguem viver juntas semchefespara “cuidardelas”,oquepoderia levarà fragmentaçãodeumaaldeia”(Guerreiro2012:36). Entre os Caxinauá, a dispersão das pessoas é sinal do fracasso de umchefe(McCallum2001:110). 34 O “dono da casa” é por isso sempre apontado e pensado: todos os índios parecemterritorializarnessesentido.Hásemprequemseafirme“dolugar”,memóriasportodapartede“lugares”passados,quecontinuamsendoa“casa”degruposqueagoravivemnacasadeoutros,histórias e rememorações em festa, em dança e em canto, de origens externas; é comummencionaremlugaresemqueviviamequeagoramoraoutropessoal.OsAparai,porexemplo,semprelembramqueestãoemterrawayana,nomédioParudeLeste;comoconvémaanfitriõesexemplaresquesão,nãoouvideWayanamençãoaisso. 49 Acapacidadedeiniciarumaação,tambémtãocaracterísticadoschefesameríndios, manifesta-se em sua habilidade como fundadores de aldeias,abridoresderoçasetc.:Tenetãmo[‘líder’]significa‘emprimeirolugar’, ‘oquesegueàfrente’, ‘oque começa’ […] Toda e qualquer empresa coletiva araweté supõe umtenetãmo […] caçadas coletivas, cerimoniais ou não; a colheita eprocessamentodomilho,açai, etc,paraas festasdepeyo; aescolhadosítioderoçasplurifamiliareseolugardealdeiasnovas;umadança,umaexpedição guerreira […] Um tenetãmo é alguémque decide quando eonde se vai fazer algo; e o que sai na frente para fazê-lo (Viveiros deCastro1986:301ss).Tododonode festaéumpuxadordemovimento.EntreosManoki,napreparaçãodafestadeYetá,umhomem-“diretordocantodosespíritos”-eraescolhidoparacoordenarotrabalhonaroçacoletiva,ascaçadas,pescariasetc,enquanto sua esposa coordenava o trabalho feminino (Bueno 2014:210ss). Ohomem que chama uma Sun Dance entre os Crow é designado “whistler”(Lowie1935,cap.16),o“assobiador”,oqueconvoca.UmmitosalishcontadoporLévi-Strausscondensaacadeiaderelaçõesherói-donodefesta-chefefamoso.Nele,oherói,atéentãoincógnito,éreveladoporCorvoeresolveseapresentar:No dia seguinte, ofereceu um banquete aos moradores da aldeia edistribuiuascobertasquetinhatrazido.Foiproclamadochefeetornou-secélebre(Lévi-Strauss1971:337).EntreosCaxinauá,cumpreaochefe‘pensarprimeiro,portodos’[...]noretornodascaçadascoletivas,éelequemvaiàfrente,assimcomo,emsituaçõesdetensãoeabatimento, é do chefequeparte a iniciativade fazer festa [...]” (Yano2014:131). AlgosimilarėrelatadoporLimaarespeitodosYudjá:"Cabe-lheseroprimeiro:iràfrente,darinícioàsatividades,declararaofim sua realização. Mesmo em atividade de guerra cabe-lhe, segundoafirmaramme,matarum[inimigo]àfrentedosoutros"(Lima2005:96). 50 Ochefeé“acausa”da“vontadedogrupodesereunir”35.Elepuxa,maséogrupo,porvontadeprópria,quesereúne.Nãoháprimazia.Eeisquearelaçãoentreanfitriãoeconvidadoéjustamentemarcadaporumacuriosaassimetria36,aquelamesmaquetantosurpreendenasrelaçõesentrechefesesuasturmas:ochefe mais parece servir a seus “seguidores”, ressaltava Clastres. O anfitriãoconvida (não ordena) e serve (não é servido), não tem poder, mas é dele oprestígio–seafestaforboa.Indicaçõesdequeamatriz/paradigmadochefeíndioéoanfitrião,donode festa, são legião: o que define um líder políticomakuna é sobretudo suacapacidade de promover rituais (Sztutman 2005:258); os "principais" Kaiowásão lembrados, sobretudo, pelas festas que promoveram (Pimentel 2012:57);"umverdadeirochefe[wauja]éumhomemquegostadefestas"(BarcelosNeto2008:190); “paramanter sua posição, o capitão [metyktire] deve cultivar umareputação por generosidade”, mediante o “patrocínio de grandes cerimônias”(Lea2012:33);tambémoslídereslakota“wereexpectedtosponsorceremonies”(O’Brien1989:24);entreosTupidaCosta,“paraser‘dono’deumlugar,deumacasa,deumgrupolocal,etc,énecessárioantestersido‘dono’deumafesta”eaté“oprofeta–líderreligioso,líderdemigração–eraantesdetudoummestrede ritual” (Sztutman 2009:28, 34); entre os Muskogee, o chefe ‘civil’ (poroposiçãoao ‘deguerra’) “receivedambassadors,negotiated treaties,dispensedfood from the granaries and established feast days to celebrate successfulhunts” (O’ Brien 1989:22); “c’est le chef du village [wayana] qui, aprèsconsultation,décidedel’organisationdesfêtes”(Chapuis1998:29);eomesmoocorre, inclusive, nas chamadas civilizações: organizar festas era uma dasobrigações do cazonci, dito “rei” dos Michuaque, no México (Sarrelangue1965:35). 35Masainiciativadochefepodetambémproduzirdispersão:verViveirosdeCastro(1986:310).36Poisarelaçãoentreanfitriãoeconvidadoséassimétricamas,justamente,éimpossíveldefini-laemtermoshierárquicos.Caracteriza-secomoumpardeopostoscomplementares.Éanálogaàquelaqueopensamentoameríndiopostulaentresolelua,homensemulheres,metadesetc:relacionados precisamente pela diferença radical, os termos não podem ser hierarquizados,nemdestacados,nemconterumaooutro. 51 Note-se que a relação entre chefes e festas aparece como exigência edever, mas nem sempre assim é descrita. A formulação de Barcelos Neto,retomandoargumentosdeBasso(1993),aproxima-semuitomaisdasnativas:[...] a sociedade kalapalo pode ser basicamente dividida em duascategorias: os que têmo privilégio de receber e os que, por respeito aestes, devem oferecer. Contudo, essas posições são intercambiáveis:quem recebe muito tem a delicada obrigação moral de redistribuir(BarcelosNeto2008:259).Para tornar-se um produtor efetivo e moral de um acontecimento davida coletiva, isto é, para articular a formação de um grupo [...] faz-seuso de um procedimento (inclino-me a dizer) invariável: atrair aspessoascomumcauim[...]Éapenascomoiwadecauimqueumhomempode articular um grupo, envolvendo-o em alguma atividade" (Lima2005:95-6).Outrasindicaçõesdequechefessãoassociadosaanfitriões:chefesshuarsão enterrados, em suas casas, "na posição do anfitrão recebendo seusconvidados[...]paraqueoeloentreumacasaeseufundadorapareçademodomaistangível".(Descola1993:412).JáosWaimiri-Atroari,informaSilva:[...] consideram idealmente o grupo local como uma comunidade quevive sob ummesmo teto, liderada por um ‘dono de casa’. Esse statuspareceseassociarmenosàpropriedadedacasa,doquepropriamenteàsuaconstrução.Umdonodecasaéassimo indivíduoquefoicapazdemobilizar [...] Se, por um lado, o status de dono de casa confereprestígio, por outro lado, é preciso já ter prestígio para se tornar umdonode casa, figura focaldogrupodiantedosdemais grupos locais e,por isso mesmo, com a prerrogativa de oferecer sua casa aos de fora(Silva2009:50).NocasodeDescola,aconexãoentrechefeeanfitriãoéexpressa,masoautorremeteàrelaçãoentrecomunidade/casaeseufundador,aparentementeressaltando a propriedade. Silva, diante de uma ocorrência de mesmo tipo,descartaacertadamenteaquestãodapropriedadeparaatentarparaaposiçãode “iniciador de movimento” e a capacidade de organizar que, como vimos,também é requisito de chefes indígenas. Note-se a distância, na citação deDescola, entre o "anfitrião que recebe seus convidados" e a interpretação emtermos de "fundador", "dono da casa". Como ocorre com certa frequência, aformulação nativa é tomada por figura de linguagem, cuja verdadeira 52 “natureza” a análise revela.De fato, o anfitrião é o donoda casa,mas isso é,digamos,umdoscritérios37paradefiniroanfitrião.Nãoédepropriedadequesetrata,masdehospitalidade.Chefeéoquerecebe,oqueacolhe,oquedádecomer.Anfitriãoexemplarétambémo“chefedecima”dosManoki,querecebeasalmasboascombonsalimentos,quepartilhacomjustiçaentreospresentes(Bueno2014:189).Emmuitos casos, os “donosde festa”, aqueles queoferecema comida,tampoucocomem38.ComoobservaPimentel (2012:152), essacostumaserumaregra de etiqueta comum às festas dos índios. O “chamador” da Sun Dancecrow“neitherateanyfoodnordrankanywater”duranteascerimônias(Lowie1935:321). Às complexas operações que fundamentam a não-participação domatadortupinambánofestimcanibal(CarneirodaCunha&ViveirosdeCastro1985) poderíamos acrescentar esse aspecto: guerreiro exemplar - porquematadorde inimigo -,oqueoferecea carnedobanqueteé tambémanfitriãoexemplar-porquenãocome.Mas,afinal,porquealguémquereriaserchefe,perguntavaClastres,parasercontinuamente"saqueado"pelos"seus"?Dos bandos nômades de caçadores-coletores às comunidadeshorticultorasmaisoumenossedentáriasdasterrasbaixasdaAméricadoSul imperava a figura bem conhecida do chefe impotente: este quase-coitado que, em sua munificência exemplar, submetia-se a espólioconstanteporpartedogrupo,sercujafunçãodepacificadorearautodasociabilidade devia realizar em estrita conformidade com a acedênciapopulareexclusivamenteatravésdapalavra,dapersuasãoedodiálogo,e,aoqual,enfim,cabiaoconsolomódicoproporcionadopeloprestígio[...](Drago2012:46). 37EntreosJê,ascasas“pertencem”àsmulheres,masseusmaridossãotão“donosdacasa”,nosentidodeanfitrião,quantoelas;nasetnografias,costumameles,inclusive,figurarcomoosquedetêm“autoridade”nacasa.38Note-seoparalelocomatambémrecorrenteevitação(queapareceassimmenoscomoumaquestãode“proibição”doquede“decoro”)decomerdaprópriapresaporpartedecaçadoresnas Américas. Em relação à caça: na Colúmbia Britânica, o caçador se dirige à presa recémabatidacomoumanfitriãoaseuconvidado,istoé,comrespeito;ovocabulárioeprotocolodaFesta na caça, geralmente associada à Guerra,em decorrência de eloquentes e numerososexemplos(predominantemente“amazônicos”);masestebastariaparaindicaraimpossibilidadedereduziraassociaçãoàguerraecaça;note-sequeéoanfitriãoquerecebeoalimento(de)seuconvidado.rever 53 Vistomaisdeperto,afinal,ochefenãoganhamaise, todavia, “usuallyworks harder than anyone else” (Fric & Radin apud Drago 2012:75). DizWashingtonarespeitodosKnowinghowtotreatpeopleandmaintaininghumilitywereimportantqualities for leadership, as was having a very thick skin. Being chiefcouldbeathanklessjob(Washington2004:594).SegundoRadin(1948:223),afunçãodechefia,nocasoeyiguayegui.esmás una carga que un honor y con frecuencia ese puesto traemáspeligro que provecho. Pues no reverencian a su cacique como a unmaestro ni le pagan tributo o ayuda como es costumbre en otrasnaciones. No lo invisten con la autoridad de un juez, un árbitro o unvengador…Siregañase(a lagente)porsustransgresionesconunasolapalabraduraseríacastigadoen la siguiente reuniónparabebercon lospuños de los salvajes embriagados, y le llenarían públicamente deinsultos,comoamigodelosespañoles,ycomoalguienqueamamáslatranquilidadqueasupueblo.Serchefe“émuitodifícil.Dámuitotrabalho,eeutenhomedo”,disseumfilhodechefekalapaloaGuerreiroJr.(2012:21).Alémdetudo,corre-seoriscodeservitimadopelafeitiçaria:Hávários casosdepessoasquedesistiramde ser chefese semudarampara outros povos onde tinhamparentes, no intuitode ficaremmenosexpostose,assim,menossujeitosaataquesdefeiticeiros.HáumgrandechefejagamüvivendoentreosKalapalo,quedecidiusemudarparaAihadepoisquetodasuafamíliamorreudefeitiço,oqueeleassociaàinvejacrônicaqueosfeiticeirostêmdos[chefes].Tambémháfilhosdechefesqueserecusamaassumirolugardeseuspais,poistêmmedodesofrerataquesmágicos.(Guerreiro2012b:5).Aresponsabilidadepelobemestardogrupoqueformaétodadaquele/aqueoconstituiu, seu “puxador”. Se algo de mal ocorrer, é ele/ela também oresponsável. “Qualqueracidentequeporventuraprejudiquealguémduranteaexistênciadogrupoé,diz-se,responsabilidadedoiwa”,escreveLima(2005:96)sobre a chefia yudjá. Não surpreende, assim, que os chefes comentem suasdificuldades,etampoucoqueosíndios,muitasvezes,nãolutempeloacessoataisencargos:O chefe principal de Aiha repete com frequência que seu trabalho émuito difícil porque as pessoas sempre o procuram em sua casa para 54 falar sobre acontecimentos desagradáveis, conflitos, pedir coisas, pedirideiasparaatividadescoletivas,etc.(Guerreiro2012:277).The Timbira display remarkably little individual lust of power withreferencetothechieftaincy.Ihavenotobservedanygreatdesireforthisoffice or discovered young men who dreamt of some time becominggreatchiefs.Nor,couldInoteanyrivalryamongthechiefs(Nimuendaju&Lowie1938:73).Ondeagenerosidadeéomaisaltovalormoral,oqueaparececomoumsaqueininterruptoéparaograndehomemarealizaçãodotrabalhobemfeitoe,portanto,sua feituraourefeituracomohomemexemplar.Por issoMerekuku,dono de festa, sorri ao me dizer que deu tudo, o biguá do mito arawak(Perrone-Moisés2011)declara-sesatisfeitocomopretoquelherestoudepoisdadistribuiçãodetodasascoresentreosdemaispássaros,oschefesdaColúmbiaBritânica rivalizamembanquetes, doações, espetáculos.O chefe-anfitrião, oumelhor,odonoda festa,aooferecê-la,aumentaoprestígio (seueda “turma”anfitriã)namedidadaalegriaquepropicia. OsSliammon(Salish)explicam:Those heh-goos [family headmen] who controlled access to privateresources and were generous to their supporters hosted feasts for thevillageandforneighboringvillages.Byinvitingpeoplefromoutsidetheirownvillage,theheh-goosincreasedhisownprestige(andinturn,thatofhisfamily)andextendedhisinfluencewithingreaternetworkofvillages.These leaderswereconstantlyobservedand judgedby theirdeedsandthegoodthattheydidfortheirpeople.AmongtheSliammonandotherCoastSalishpeople,competitionforrelativeprestigewasacknowledgedby the acceptance of gifts presented on potlatch occasions when thevisitorswitnessedachangeinstatusofthehost’skin.Publicceremonies(now called “potlatches”) were our form of record keeping, for peopleoutside the family were needed to witness, and remember, ourimportant family events. Giving to one’s own family was not enough.The prestige flowed from generosity and proper behavior beingacknowledgedbeyondone’sownfamilyandgenerallybeyondone’sownvillage. Even though households were selfgoverning, political powercame about when a heh-goos linked his family with other high-statusfamilies,throughkinrelationsandgiftexchange,intopoliticalnetworksthatextendedthroughouttheregion(Washington2004:588). 55 Note-sequeacitação,deuma“nativescholar”,junta,comooutrostextosacadêmicos, a generosidade expressa em festas e presentes a um “poderpolítico”.O prestígio é do anfitrião e de seu grupo39, caso consigam dar aosconvidadosomelhortratamentopossível,desdobrando-separaagradá-los,istoé,alegrá-los.Quem é superior entre um chefe e sua turma? Resolve-se a questãoquando a relação é reposta em seu plano, e o que procurávamos num planopolítico inexistente aparecena chaveda festa.Pois a relaçãoentre anfitriãoeconvidados é assimétrica mas, justamente, é impossível defini-la em termoshierárquicos. É análoga àquela entre sol e lua, homens e mulheres, metadesetc:. relacionados precisamente pela diferença radical que os fazcomplementares,ostermosnãopodemserhierarquizados,nemdestacados.Afestasupõeapresençadeambos,talcomoacorridadetorasexigeadiferençaentreas“turmas”quecompetem40.Desloca-se também a tão discutida questão da poligamia dos chefes.EmboraomodelodeClastres fosseextremamenteeleganteesejapossívelvervariantes do mesmo mecanismo de quebra da circulação de pessoas emcontextosondenãohápoligamia -na inversãodauxorilocalidadenormativa,porexemplo,entreos Jê, verDrago (2012) -, aquestãodeixade sercentral: apoligamiaéumaestratégiapossível–ecertamentenãoaúnica-paragarantiraochefeesuaturmaacapacidadedereceberbemedestacar-secomoanfitrião. 39Deuscomoanfitrião,ocódigodoprestígiodesviadopelos(astutos)missionários:"Teosilogovirábuscar-nos.Quandoelechegar,vocêsouvirãoosomdeumaflautavindodasnuvens.Porenquanto, ele ainda está preparando nossas casas e mantimentos para nos receber no céu"(Kopenawa&Albert2010:262-63).40Umconceitoderelaçãocaracteristicamenteameríndioqueeugostariadeapelidarde“lógicadacorridade toras"oualgoassim:éadiferençaoque relaciona,éadiferença (e sóela)queproduz. Identidade é morte. Algo que facilmente poderíamos definir como da ordem da"políticainter-grupos",comoosencontrosentreParakatejêeKrahôdocumentadosnofilme"Eujáfuiseuirmão",éformuladoporelesemcorridadetoras.Dizochefekrahôqueosconvidadosparakatejêvãologochegaretalvezganhemdosanfitriõesnatora,outalveznão.Seganharemeles,completa,nãoháproblema,"foiparaissomesmoqueconvidamos".Acorridadetorasnãoé nem política nem ritual: é a expressão timbira privilegiada da noção fundante desolidariedadeentreopostos.Alguémsempreganhaacorrida,demodoquenãoéumjogo"paraempatar"imediatamente.Oqueimportaéhaveroponentescorrendosimultaneamente,éhavercorrida. 56 Um grupo extenso de co-residentes é sempre recomendável; quanto maior,melhorafesta.Oparentesco,aquidenovo,nãoexplica:assimcomoháumdiscursoqueenfatizaaimportânciadaascendêncianobre, da “endogamia de status” e do “sangue de chefe” para atransmissão da chefia (tratada como “eterna”), esta é vista como oresultadodeprocessosdefabricaçãoquetêminícionãonarelaçãoentrepaisefilhos,masnasrelaçõescomoutroschefes(dogrupolocaloudepovosestrangeiros)(GuerreiroJr.2012:52).Poderíamosdizerdeumanfitrião,comoFausto(2002:334)dizdoschefesameríndios, que são "a forma de apresentação de uma singularidade paraoutros"?Namedidaemqueochefesóaparece,comoargumentaGuerreiroJr.(2012), diante de seus pares, sim. Mas a singularidade em questão é umarelação,umconjunto,a turmadochefe tal. "Pontodeconvergência" (Rogers)decoletivos,cujasingularidadeé(se)comporem(de)diferenças.Numaanáliseque em vários pontos se aproxima do que é aqui desenvolvido, Guerreiro Jr.propõepensaremconjuntonoçõescomochefeedonoapartirdotermonativoiho:Ihosignificaliteralmentearrimoouesteio,comoopostedemadeiranoqual umapessoaamarrasuarede.Masestanoçãotambéméutilizadaparadescreverumasériederelaçõesbaseadasnocuidadoenanutrição:odonodeumacasatambéméihodaspessoasquemoramnela,poisseesperaque ele cuidede seus corresidentes, queosoriente, organize asatividades coletivas da casa, os apoie em seus problemas; um maridotambém é iho de sua esposa e seus filhos, pois deve provê-los comcomida e protegê-los; pelo mesmo motivo, alguém que seja o únicohomemdeumacasatambéméihodasmulheresquemoramnela.Pode-sedizerque iho,então,serefereaqualquerpessoaqueseencontrenaposiçãodeprotetoreprovedordeoutros.Talvezpudéssemosdizerqueiho é alguém que tem o dever de“dar suporte”, pois seria a descriçãomaisliteraldafunçãodeumesteio.Umchefetambéméchamadodeiho(GuerreiroJr.2012):PensandoumconceitoanálogodosYudjá,Limapergunta-se:Oconceitodeiwaparece,pois,fundarumaanalogiaentrerelaçõesquetenderíamos a ver como díspares: como pode (indagar-se-ia) umamesma noção de relação compreender a ligação entre um criador e acriatura,osênioreseusdescendentes,oprotetoreoprotegido,deumlado,e,deoutro,ocaçadoreacaça,ocomedoreacomida,omatadorea vítima? Uma mesma assimetria parece destacar-se como o 57 denominadorcomumaessesdoisconjuntos(pormimdistinguidos)derelações(Lima2005:120).Guerreiro Jr. (2012:231) chega também à noção de “representação".Contudo, um anfitrião não pode representar aqueles que reúne.O chefe nãocontém o grupo, nem o representa; é, como já dizia Lévi-Strauss (1967),logicamenteanterioraogrupo,namedidaemquetomouainiciativadereuni-lo; é quemconvida.Guerreiro Jr. propõe a interessante ideiadeuma função-chefe.Prosseguindoseuraciocínio,proponhoaquiqueochefe(comoodonoequalquer puxador de movimento) é um subcaso, uma variante da função-anfitrião, e que um “chefe” nunca pode ser considerado isoladamente. É arelaçãoentreochefeeosseus. Relaçãoassimétrica,sim,masnãonomesmosentidoda"amizadeassimétrica"(Lima2005:89ss).Em vários contextos, diz-se que as “festas tradicionais” foramabandonadas e substituídas por celebrações religiosas e cívicas. Váriasetnografiasmostramqueessas“novasfestas”sediferenciamdesuascongêneres“nacionais”, exibindo várias características que podem ser associadas à“tradição”.Notamos também várias demonstrações de que umadas palavras-chave do pensamento ameríndio é transformação, ou alteração. As festas,antigasounovas,fazemgrupos.Asdiferençasentreelesestarão,portanto,nosprotocolos básicos de festa, que produzem entre esses grupos afastamentosdiferenciais. Cumpre, nesse caso, atentar especialmente para os fundamentosdafestaemcadacontextoparticular;ou,mantendoocódigoculinário,atentarparareceitaseingredientes.Vistoqueécomoanfitriãoqueseobtémegaranteprestígio, não surpreende que por toda parte, nosmundos indígenas, “novaslideranças” procurem se afirmar contra os anfitriões de festas "tradicionais"(impossibilitados por diversas razões de realizá-las) promovendo festasreligiosas,cívicaseaniversários. 58 AVIDAENTREFESTAEGUERRA"Antigamente, não existia reunião, só existia festa", disse um anciãokaiowáaSpensyPimentel41.Embuscadealgoque sepossachamar "político"em contextos variados, Detienne (2005) propunha que nos perguntássemoscomo as pessoas se juntam para "debater assuntos de interesse comum", eindicavaaformadereunião,seumotivo,e“umaideia‘doqueécompartilhado’”(Detienne 2005: 10) como temas privilegiados do projeto de investigaçãocomparativaproposto.Oanciãokaiowátocanumpontocentraldoquepoderiaser um começo de resposta às questões propostas por Detienne a partir dasliçõesdos índios.A formadaassembleiaé, aqui, a festa.Quantoàmotivaçãoprimeira, não é exatamente “debater” (ver abaixo, “De volta à política – anossa”).O"compartilhamento",longedeprecederàreunião,énelaproduzido(setudodercerto).JáopadreLafitau,emumdosprimeirosgrandesesforçoscomparativosempreendidos no âmbito americanista, tinha clareza da centralidade da festaquandosetratadeassuntos“dealgumaimportância”entreosíndios:lescarbets[palavraquedenotanasfontesfrancesastantoos‘conselhos’como os locais de reunião] se réunissent pour les affaires de quelqueconséquence, et lesaffairesne se traitent jamais sansun festingénéral(Lafitau1724:125).Alguns anosmais tarde, falandoagoradospovosde língua algonquinadaentãoNovaFrança(Canadá),Charlevoixparecequaseirritado:Dans leNord,&par-toutourègne laLangueAlgonquine, ladignitédeChef est élective: mais toute la cérémonie se réduit à des festins,accompagnésdedanses&dechants(Charlevoix1744:267).De acompanhamento obrigatório de “política” em Lafitau (como emgeral até hoje), passamos, comCharlevoix, a uma percepção do lugar central 41Aquemagradeçoaquidemodespecial,porliçõesguaraniekaiowáqueindicaramváriosdoscaminhosaquitrilhados. 59 dosfestins ‘napolítica’.MasaquiloqueaCharlevoixpareceuma‘redução’éoque aqui se toma por ponto de partida: tudo está, de fato, nos banquetesacompanhadosdedançasecantos,i.e.,nasfestas.A lista que Lafitau fornece dosmotivos possíveis para tais festanças élonga e variada, para além das reuniões de “carbets”: nascimentos, mortes,iniciações,nominações,passagensdegrau,aclamaçõesdechefes,fazimentodexamãs,inauguraçõesdecanoas,colheitas,cortesdecabelo.EntreosSliammon(Washington2004),sãotambémdasmaisvariadasasrazõesparaumafesta.Qualquermotivo é bom para uma festa, dir-se-ia. Em todosos casos,processossociaisabsolutamentevitaissópodemser(re)produzidosemfesta.[...] as festas desvelam alguns princípios da filosofia social nativa quedizemrespeitoaoagenciamentodefigurasdaalteridade,àincorporaçãoe ao controle de forças exógenas, com o propósito de garantir a(re)produção de um espaço propriamente social.Mais do que encenartaisprincípios,asfestasefetuam-nos(Barbosa2012:847).Assim,ochamado "banqueteantropofágico"dosTupidaCostaépartedeumagrande festa,naqualomoquém,emsi,nãoénemmaisnemmenosimportante do que a cauinagem, o diálogo matador-cativo, ou as danças ecantos. Em tudo isso estão relações que chamamospolíticas.Coma guerra àcontraluz.A descrição de uma dasmais ilustres formas políticas ameríndias queconhecemos,aLigadosHaudenosaunee(LigaIroquesa),exibeaprevalênciadaforma-assembléiaemnossoimagináriopolíticoaoserestringirpraticamenteàestruturadoconselhodossachems.Oaspecto“festa”costumaserrelegadoaosegundoplano, e osbanquetes, presentes, apresentações, quando registrados,aparecerãoseparadamente.Masbastavera sucintadescriçãodeumareuniãodo Grand Council [dos Sachems]42, realizada em 1845, para perceber que a"interessantecerimônia"duraváriosdias,envolveumasériedepreparativoseconvites, incluindo no cerimonial a transmissão do "wampum sagrado". Acomplexadiplomaciairoquesaenvolvidanessetipodereuniãoébemconhecidae estudada. Como todo grande evento social ameríndio, a tal reunião do 42NumanotíciadejornaldaépocarecuperadaporElizabethTooker(1983). 60 conselhoeraumagrandefesta,naqualo“momentoassembleia”,aliás,reduzia-seapoucacoisanoconjuntodoprotocolofestivo.ApresençadeMorgannessareunião43certamenteserefleteemsuasconsideraçõessobreo “modode fazernegócios”dosíndios:“Itisasingularfact,resultingfromthestructureofIndianinstitutions,thatnearly every transaction, whether social or political, orginated orterminatedinacouncil.Thisuniversalandfavoritemodeofdoingbusinessbecameinterwovenwithalltheaffairsofpublicandprivatelife.Incouncil,publictransactionsofeverynameandcharacterwereplanned,scrutinizedandadopted.The successionof their rulers, their athletic games,dances,andreligiousfestivals,andtheirsocialintercourse,wereallalikeidentifiedwithcouncils.”(Morgan1851:107-108).OmesmopoderiaserditodasreuniõesdoGrandCouncildosMuskogee,“a time of great celebrations” (O’Brien 1989:20-21)44. As assembleias políticasyanomami,observaAlbert,sempresãoinseridas“danslecadretraditionneldelacommensalitérituelledesfêtesreahu”(Albert&Kopenawa2010:742).Sãofestasquetecemredes,compõemgrupos.Tocarjuntosemjuruparise dabucuris no alto Rio Negro é consolidar alianças. É uma troca de festas(comida + caxiri + pintura + conversas + presentes) que sela a paz entre osAparai e os Wayana, antes em guerra (Barbosa 2012:836-37). Os "convitesformais para participação em ritos" entre aldeias, diz Melatti (1978:76-77),parecemserumdosfatoresquemantêma"tribokrahô"unida,jáqueesta"nãodispõedenenhumchefe,denenhumconselho,quetenhajurisdiçãosobretodaela".OutrofatorapontadoporMelattiseria"apresençadeindivíduosparentesentre si nas várias aldeias". Contudo, basta pensarmos no efeito"desaparentador" que pode ter o distanciamento de pessoas entre os Jê paraperceber que sem as festas nenhum "parentesco", do ponto de vista nativo,sobreviveria à dispersão pelas várias aldeias.As redes interaldeãs de parentesdependem, para existir, de sua contínua reativação por meio de convites efestas. 43Esseteriasido,inclusive,seuprimeirotrabalhodecampo(Tooker1983:141).44 Outro belo exemplo do protocolo das festas iroquesas é o encontro entre delegaçõesiroquesaseautoridadesdaNovaFrançaparanegociaçãodeacordodepazemTroisRivières,1645(cf.RelationsdesJésuites). 61 OsManokiafirmamquenopassado[...]costumavamandarmuito[...]ocircuitodevisitasentreasfamíliasqueviviamemdiferenteslugares[...]era muito ativo e a ida a grandes aldeias mais afastadas também eracomum, sobretudo para a realização de festas e para os jogos de boladisputados coma cabeça [...] Podiampassaruma temporada curta [...]oumaislonga,seestendendoaummêsnessasvisitas.Aosedespedirem,já deixavam marcado o evento seguinte e onde ele aconteceria. Aochegarnasuaaldeia,ofesteiroseguintefaziaoconviteaseusaliadose,no período marcado, o encontro se efetivava. Os convidados eramrecebidos como choro ritual [...] não faltava chicha ebeiju comcarnenessasocasiões(Bueno2014:74-5).Ofutebolse insere,aliás,naesteiradosdiferentes jogosecompetiçõesnativas (verViana2008)comomaisumaatividadepromotoradeencontrosetecedoraderedes:Des liens privilégiés, familiaux ou amicaux, unissent certains villagesentre euxet lesopposent àd'autrespardes tensionsdiversesplusqueparunehostilitéaffichée;ilyaainsidesréseauxvillageoisdontledétail,quiapparaîtnotammentlorsdesfêtesoulorsdesmatchesdefoot-ball,estimportantàconnaître(Chapuis1998:838).Melatti aponta como razão d(o que nos parece ser)a associação entreliderançaspolíticasecerimoniais“oconhecimentoque[estesúltimos]possuemdas tradições krahô" (Melatti 1978:80). Grande parte dessas “tradições”,sabemos, é constituída pelo que eu gostaria de chamar de “receitas eingredientesde festa”:procedimentos,cantos,danças,adornos...A listakrahôdecritériosparaafirmarqueummehinestásetornandokupē (outro),ouvidaem 1982-83, incluíanãomais “saber fazer festa”.Poderiamserdescritoscomo“receitas e ingredientes de festa” os nekretx mebēgokré, ainda entre os Jêsetentrionais. Exemplos nesse sentido encontram-se por toda parte nasAméricas. Em festas compõem-se e competem - existemao seopor - aldeias,chefes,metades,gruposcerimoniais,confrarias;realizam-seemfestaspessoas,e aldeias, e chefes e metades e grupos cerimoniais. A política que temosbuscadoestánafesta45,oumelhor,noparFesta-Guerra.As festas dos índios, antigas ou novas (cívicas, religiosas etc.), fazemgrupos, e tipos de festa determinam os afastamentos diferenciais entre os 45Temosdadomaisatençãoà"filosofiapolítica",justamente.Ora,osíndios“dançam”política.Aessedesafionuncademosadevidaatenção. 62 gruposque trocam festas.Caberá, emcada casoe contextoparticular,buscarapreendê-lascomo receitasmantendoocódigoculinário,eatentarparaseusingredientes.Nem tudo é feito em festa; pessoas ameríndias também são feitas deoutros modos, a que também chamamos, por sinal, de “rituais”, e quecostumamserdistinguidosdas “festas” emvirtudede seucaráter “individual”em oposição ao “coletivo”. A confusão desses processos na mesma categoriaanalítica aumenta a dificuldade em percebê-los: todo comportamentocodificado que produz coisas importantes é classificado como “ritual”. Nemtudooquechamamos“ritual”produzgrupos,mastudooqueeleschamamdefesta, sim. Por outro lado,mesmo processos de feitura de pessoas quetenderíamos a chamar de “privados” costumam envolver “gente de fora”:quandoterminaareclusãodameninaentreosMamaindê,porexemplo,cabeaseuspais“fazerpequenasfestaseoferecercomidaebebida[aos]espíritos[queacompanham a moça na reclusão], para que eles atuem como aliados,impedindo que a menina seja capturada por espíritos maléficos” (Miller2007:300).OléxicoésempreodeFesta-Guerra.A importância da guerra nos mundos ameríndios não requer maioresdesenvolvimentos.Aguerra temsidoencarada "emsuapositividade" (Lima&Goldman2001:302)pelomenosdesdequeClastresadeclarava“inscritanosermesmo das sociedades primitivas” (Clastres 2003:250). Seguindo (mais uma)pista indicada por Lévi-Strauss no pioneiro "Guerra e comércio", no qualargumentavapelanecessidadedesereconhecer[...] uma imagem [...] da atividade guerreira [...] nãomais unicamentenegativa,maspositiva(Lévi-Strauss1943). Maisdoquepositiva, aguerraapareceucomocentral.OpróprioLévi-Strauss (1976:326) comenta que a história revela que “as forças de dispersãoprevalecem sobre as formasdeunião”, e que “está fora de dúvida que, numaépocaantiga,comoaliáspresentemente,osgruposvizinhossetratavamantescomoinimigosquecomoaliados”.Clastrestambémressaltavaque“asrelações 63 de hostilidade entre as comunidades são permanentes” (Clastres 2004:251), eafirmava claramente a prioridade sociológica da guerra sobre a aliança. NãoexclusivamenteporforçadaspropostasdeClastres(que,comomencionado,foideixadodeladoporalgumtempo),nasTerrasBaixassulamericanas,sobretudoemdecorrênciados trabalhos epropostasdeViveirosdeCastro, variantesdaafirmaçãodeque as relações entre dois povos ameríndios são "pautadas peloidiomadaguerra"tornaram-secadavezmaiscomuns.Asanálisesquepõemaguerra no centro reconhecem constantemente suas conexões com o "ritual",nessescasospercebidomaiscomo instrumentumbellisdoqueoutracoisa,demodoqueafestacostumaserreduzidaaumaexpressãodeguerra.Asmesmasconexões poderiam levar à conclusão oposta, a saber, de que a guerra éinstrumentumfestus.Mastampoucoissoseaplica,umavezquearelaçãoentrefestaeguerraédecontrariedadeàmodadosíndios:alógicadacorridadetorasnãooperacomenglobamentosousubordinaçõesestáveis. VoltemosaLévi-Strauss.Guerrae troca têm,paraesseautor,umvalorcomplementar: “as trocas comerciais representam guerras potenciais,pacificamente resolvidas; e as guerras são resultado de transações malsucedidas”, de modo que elas devem ser consideradas como “dois aspectos,opostos e inseparáveis, de um único e mesmo processo social” (Lévi-Strauss1943). Deixemos de lado a tão já debatida ideia de transações bem ou malresolvidas para nos concentrarmos sobre a conclusão: "aspectos opostos einseparáveis". Sim, com certeza, e os exemplos sãomuitos e eloquentes.Masnão só. Amuito insistir num lado ou no outro, corre-se o risco de produzirleituras"capengas"dopontodevistaameríndio,cujos“sistemasdepensamento[estão] baseados num princípio dicotômico que, etapa após etapa, obriga adesdobrarostermos”(Lévi-Strauss1992).Talvez pela força dos guerreiros Tupi da Costa - e rendo, aqui,homenagemtantoaelescomoaseusestudiosos,grandementeresponsáveisporsua imortalidade “grega” -, de quem, como se sabe, a guerra era “todo ofundamento”,privilegia-seainimizadeeafirmaocontráriocomofiguradefault.Assim era em Clastres, quando se perguntava “por que uma comunidade 64 primitivatemnecessidadedealiados?”para,emseguida,responder:“evidente:porque ela tem inimigos” (2004: 259). Primeiro, os inimigos. Os aliados nãopassamde"insumo"ou“decorrência”daguerra.TeriaHobbesintuídocorretamenteaopensaraAméricacomopalcodaguerra de todos contra todos, do estado de Warre, cuja naturezaconsistiria menos na batalha efetiva do que na disposição constanteparaaluta?(Fausto1999:254). PoderíamosaventarqueHobbes,leitordenarrativasdeviajantes,teria,aocontrário, sido inspiradopelosselvagens.Apesarda forma interrogativadareflexãodeFausto,trata-seantesdeumaafirmação,dadoquelogoacimadelalemos expressões como "onipresença da guerra" e "belicismo prevalente" acaracterizar as terras baixas sulamericanas. A guerra é, segundo esse tipo deinterpretação, o fato primeiro e primário. Clastres parecia ser menos radicalquando, contrapondo-se aomodocomo lia certas afirmaçõesdeLévi-Strauss,afirmavaque[...]aguerra,tantoquantoatroca,pertenceaosersocialprimitivo.Nãosepode,eéoqueseráprecisoestabelecer,pensarasociedadeprimitivasempensaraomesmotempoaguerra(Clastres2004:249). Como o próprio Clastres, a reflexão americanista logo se esqueceu do"tantoquanto"edo"aomesmotempo"parapositivaraguerraetorná-lacentroem torno do qual tudo mais gravita, modelo relacional por excelência(atribuídoaosprimitivosouaosameríndios).Talvezporqueaquiloquese lheopunha, a "troca", não estivesse, de fato, à altura de se lhe equiparar, sendoapenas aspecto da festa, está sim importante "tanto quanto" e "ao mesmotempo"queaguerra.Ficoufaltandoafesta,queenquantoissopermanecianocentro dos interesses de outros tantos etnólogos americanistas, masdesmontada pela análise em "sócio", "cósmico", "econômico", "político",apertadanoespartilho“ritual”esemprea transbordarembeberagens,dançasnoturnas,música,competições.Seomodeloéameríndio,podemosapostardequeserádual46. 46Nada se faz comapenasum.Ummitomexicano registradopor Sahagun e recuperadoporLévi-Strauss(1992:324)contaque“emtemposmuitoantigos,emqueosdoisastros[solelua]aindanãoexistiam,osdeuses seacertaramparaescolheraqueledentreelesque iluminariaa 65 Nao se poderia, portanto, afirmar que a inimizade, em geral referidacomo predação, é a “modalidade prototípica da Relação nas cosmologiasameríndias”(ViveirosdeCastro2006b:164).Oprotótipo-seépossívelfalardeprotótipo-deRelaçãoentreospovosdasAméricasseria,enãosurpreende,umpar de “gêmeos desiguais”: inimigo e amigo. Amizade é outra palavra emportuguêsqueaparecemuitonasfalasdosíndios,paralogodesaparecer;trata-se de um tema quemerecemais atenção do que tem tido, como já apontouTania Stolze Lima (2005). Todo amigo pode virar inimigo e deixar de ir àsmesmas festas. Com a Festa vem também o par que faltava à Inimizade, aAmizade. O cunhado, essa figura pivô, é, como se sabe, ambos –alternadamenteenunca totalmenteumououtro.Guerrae festa sãoavessoecontinuaçãoumadaoutra,emgarrafadeKlein.Ninguémvivesódepredação;aFestanãoémenosimportantedoqueaGuerra.Esede“predação”cabefalarnocaso da Guerra, no outro, talvez, o termo fosse esbanjamento. Produção,sempre,nosdoispólos,sobretudonoquesuarelaçãoproduz.A guerra está na festa, em toda festa, e não de modo exclusivo nosubconjunto duvidosamente recortado dos chamados “ritos de guerra”. Já desaída,vistoqueoconvidadoéo inimigoenãodeixadesê-lo,mesmoquandodança junto com o anfitrião. O perigo da festa desandar em brigas sempreronda.A despeito da animação de todos ali presentes, a embriaguezgeneralizada [após o quinto dia de festa], a convivência estreita e ocontato intenso entre pessoas e grupos distantes tornam a ocasiãopropícia para desentendimentos e conflitos. São muitos os relatos deagressões e brigas ocorridas no auge da embriaguez durante festas oubeberagenscotidianas.Éprecisopôrumfimàfestaantesquesejatardedemais,queaproximidadeeaembriaguezgeneralizadacomprometama civilidade desejada e um estado de guerra se(re)instaure (Barbosa terraapóster-seimoladonumafogueira.Umdeusseofereceu,maseranecessárioumsegundovoluntário,eninguémsecandidatava.Foientãodesignadoomenoremaismodesto,cujocorpoeracobertodeúlceras.Nomomentodese lançaràschamasoprimeirodeus recuou;ooutronão hesitou, incentivando o companheiro a segui-lo. Os deuses não sabiam onde os astrossurgiriameolhavamemtodasasdireções.Finalmenteo solapareceua lestee,depois, a lua.Paratornarsuasluzesdesiguais,umcoelhofoi jogadonorostododeusquesesacrificaraporúltimo. Ele teria sido o sol, se tivesse sidomais corajoso" (itálicosmeus).Deixo aqui omitotodo, embora quisesse apenas chamar a atenção para o que realcei, por exibir de modocaracterístico as operações de duplicação e inversão geradas pela “ideologia bipartite”ameríndia. 66 2012:845).Emoutroplanodeideias,maispróximodeLévi-StrausseClastres,locaiscomo o Alto Xingu exibem a oposição entre guerra e festa, que pode serilustrada com a clássica fala de um homemmehinaku registrada por Gregor(1990:113):“Wedon’tmakewar;wehavefestivalsforthechiefstowhichallofthevillagescome.Wesing,dance,trade,andwrestle”.GuerreiroJr.registraomesmoentreosKalapalo,que“dizemqueosrituaisregionaispatrocinadospor(e para) seus chefes estão no lugar das guerra” (Guerreiro Jr. 2012:27), e daíprossegueparaumaperguntacentral:aimagemqueosaltoxinguanosfazemdosrituaiscomosubstitutosdaguerracolocaumproblemaquenemsempreétratadocomotalpelospesquisadores:“estarnolugardaguerra”éamesmacoisaque“serocontráriodaguerra”?O autor ressalta que essa ausência de guerra pode ser interpretadacomo marca de “descontinuidade” entre o Alto Xingu e “outrassociocosmologiasdaAméricadoSulindígena”,econtrapõeaissoàtesedequeos[...]rituaisdechefiaobviamafunçãoguerreira,aomesmotempoquesãoumatransformaçãodamesma.Oegitsü,dentreoutrosrituaisdanobreza,nãoestánolugardaguerraporqueajulgadispensável,masporque a realiza de outra maneira. O pensamento alto-xinguanoparece ter elaborado o clássico argumento de Clausewitz […] àsavessas: aqui, a política é que é a continuação da guerra por outrosmeios(Guerreiro2012:27). Note-sequeoautorfaladeritualepolíticacomosinônimoseosopõeàguerra,daífalartambém“emrituaiscomometáforasdaguerra”(GuerreiroJr.2012:27,n.17).Daperspectivaemqueaquinoscolocamos,aguerrasempreestánafesta,quenãopode,portanto,sersuametáfora;afestatampoucopodeservista como “continuação da guerra”, já que ambas se “continuam”constantemente; Festa e Guerra, finalmente, são, em conjunto, o quechamaríamosdePolítica, demodoquenãopodem ser substituídasumapelaoutra.Sim,FestaéocontráriodeGuerra,poder-se-iaresponder.Contantoquea“contrariedade”sejatomadaaomododopensamentoameríndio. 67 AGuerra estánaFesta, comovimos, emprimeiro lugarporque é feitaentreinimigos,quenelaexibemerefazemsuasoposições,deváriosmodos,oquefazcomquesenotenasfestasumaconstanteoscilaçãoentre.Alémdisso,nãoháguerraindígenaquenãosejaprecedidaeseguidaporumafesta.Entreos Cinta-Larga, “o homem que comandará o empreendimento guerreiro [...]enviamensageirosàsaldeiasvizinhas,convidandoseusaliadosparaumafesta,momento que antecede à expedição guerreira” (Dal Poz 1991). Entre osIroqueses,ochefequesesentir“filledwithmartialardor”eresolverpartirparaaguerra“[gives]war-dance,andthusenlist[s]allwhowishtosharethegloryofthe adventure” (Morgan 1851:73).Note-se que em ambos os casos falamos dechefes de guerra, mas os seguidores são convidados e se apresentam sequiserem“compartilharaglóriadaaventura”.OsEnanewê-Nawêoferecemumavariante particularmente boa para pensar dinâmicas de festa e guerra, poisrepresentariamaparentementeumcaso-limite,noqualaguerratendeazero-porissosãoclassificadoscomo“pacíficos”-eoYãkwaocupaumlugarcentralem suas vidas. Basta atentar para o que acontece nessa grande festa parapercebernelaqueaguerracontraosyakairity,convidadosdosmaisexigentes,écomoqueadiadaacadafesta. UmcasocontadoporHenrya respeitodosKaingang47exibea ideiadafesta-armadilha:ThekillingwastobedoneintraditionalKaingáng[Xokleng]style:theywere to be invited to a festa, made to drink, and then slaughtered.Although the Kaingáng associate festas with quarreling and murder,they never refused an invitation to one, even though they knew theirlives were in danger. Onemight imagine that at a festa, where largesections of the tribe come together to enjoy themselves, thebondsofkinship would be renewed and strenghtened, and old attachments ofmen formenwoulddrawnewwarmth from thegeneral good feeling.Altoughthiswas trueofsomeKaingáng festas, theywereasoftenthescenesofviolentquarrelinganddisruption,astheywereoffriendlinessandsolidarity”(Henry1941:56-57). 47AgradeçoaAndréDragoporter-meindicadoessasaborosapassagem. 68 ÉdignodenotaqueHenryadoteapalavraemportuguêsusadapelos índios,“festa” - ondemuitosdiriam (oupensariam) ritual -, que em seu texto figuracomo termonativo;decertonão lhepareceupossívelnomearessamisturade“hospitalidadeeviolência”(DalPoz,1991:61)comalgumapalavradesuapróprialínguaoudovocabulárioantropológico.TudooquefoiditoatéagoralevaaconcluirqueaGuerranãopodeserdefinidacomomododerelaçãocomoinimigo,ouFestacomomododerelaçãocomo aliado48, já que ambas são feitas comamigos e com inimigos e ambastêmopoderdefazeressasmesmasrelaçõesmudarem.Detodomodo,[...] umaequaçãodo tipo ‘inimigos’ = ‘etniasdistintas’, que teria comocomplemento lógico ‘aliados’= ‘mesmaetnia’nãosesustentaà luzdasclassificaçõesnativas(Silva2009:102).Tudoa indicarqueessasduasgrandesmatrizes relacionaisdos índiosdevemser tomadas como Sol e Lua, como as metades timbira, como as toras nacorrida: relacionadosnadiferençaeporela, emeternodesequilíbrio.Gêmeosdesiguais e indissociáveis.É entre festas e guerras49que transcorre a vidadospovos indígenas das Américas, nelas estão o que distinguimos em "política","economia", “religião” etc. Uma observação de Teixeira Pinto a respeito dosArara,emumplanomaisabstrato,seguenomesmosentido:A oposição entre os temas da solidariedade e do conflito não coincidecom(eneméhomólogaa)qualqueroposiçãodiscretaentreointeriordosociuseseuexterior.Osdoistemasconvivem,justapostos;eédatensãoentreeles,dequeosArarafalammuitoemseusmitoseritos,queparecesealimentaromundosocialcomoumtodo(TeixeiraPinto2000:411). 48Aliado de guerra. A aliança, no plano do parentesco, ou o que chamamos de afinidade,costuma ser vivida, e portanto feita, por outro modo de relação. No plano Guerra-Festa, aaliançamatrimonial é infletidapor alianças guerreiras, quepor sua vez já terá infletido,masestassesobrepõemàquela–nesteplano.Emoutraspalavras,aaliançadecasamentoincidenosagrupamentos que se opõem,mas não coincide com eles. Não é novidade, nemmesmo emcasoscomoosXavante,cujaslinhagensfornecemuma"base"paraaformaçãodefacções,masnãoasdefinem(verLopesdaSilva,1978).Noutroplanodeideias,masaindaarespeitodenãocoincidências: aqui, o cunhado efetivo, na posição de anfitrião, não é tovaja-inimigo (H.Clastres),masocontráriodeum.49Eantesqueocorraaoleitoravariante"entretapasebeijos",valelembrarquehábrigasnasfestasequeocódigodeguerreirosecaçadoresindígenasincluiaproximaçõesquesemprenosdesconcertaram, sobretudo na medida em que são declinadas em termos de sedução. Tudoincluiemsiomovimentocontrário.Ou,comomelhordiziaMontaigne:complementar 69 "Simetrizar" aqui, significaria, sim, “dissolver grandes divisores” (cf.Goldman & Viveiros de Castro 2008:206), os “nossos”,mas para substitui-losporoutrosparesdeopostosnaqualidadedegradedeapreensão.Osparessãooutrose,sobretudo,odualismoameríndiotemummodomuitoparticulardeoperar com eles; parece ser especialmente complicado manter sempre nohorizonte,quandose tratadepensardualismos,omodocomoopensamentoameríndio concebe a relação entre opostos complementares: não se trata de“dividir” (não seproduzemdivisores, justamente),masde “relacionar”. Festa-Guerra não corresponde à religião-política, por exemplo, não só porque ascategoriasnãosesobrepõem,massobretudoporqueosdualismosameríndiosnão são maniqueísmos indoeuropeus50. Nesse sentido, não diria, como osautores citados acima, que "a noção de multiplicidade é a chave", que "oproblemanãoé serdois,mas ser sódois" (idem).Oproblemanãoé,de fato,"ser só dois". Certamente não para os ameríndios, que "escolheram pensar omundo na forma de um dualismo em perpétuo desequilíbrio” (Lévi-Strauss1994). Para diferir, bastam dois. Mas para que suas diferenças produzam,propõe a filosofia ameríndia, é preciso que umdesequilíbrio entre os termosmantenha o movimento de transformação. Contra-intuitivamente, por assimdizer,quandosetratadeapreendermundosameríndios,éprecisomanter"emperpétuodesequilíbrio"osparesemquestão51.Nãomeparecehavernenhumaboa razão para simplesmente abandonar uma lição com tamanho poder derevelaçãoe inspiraçãocomoada“ideologiabipartite”ameríndia(Lévi-Strauss1992). 50JádiziaissoDaMattaháumbomtempo.51Outroparemperpétuodesequilíbrioseriaodacontenção-explosão,nosentidodequese,porum lado, amoral ameríndia se fundano auto-controle (OMT), qualidadenotada e admiradaentreospovosdoNovoMundodesdeosprimeirosrelatos,tantoafestacomoaguerrasãotãolugaresdoexcesso,doexceder-se,quantooperadoresdecontenção:adisciplinadoguerreiroediversasoperaçõesdecontroledocorpo,umaseguindoochefedeguerra,estasproporcionadaspelochefedefesta. 70 ANFITRIÕESEGUERREIROSA etnologia sulamericanista tem se dedicado cuidadosamente àlocalizaçãodasvariedadesameríndiasdechefes,xamãsedemais liderançase,como notado, tem tendido a sobrevalorizar o xamanismo em detrimento doqueseriaumapolítica‘entrehumanos’.Adistinçãoterminológicaentrechefeexamã,contudo,aocolocaraquestãoapartirdodivisorPolítica/Religião,geraumasériededificuldades–econduzaimagens,maisumavez,marcadaspelaindefinição. Sechefes, xamãs, eoutros tantoshomens52deprestígioparecem“transitar” entre Guerra e Ritual, é precisamente porque os planos estãoindevidamenterecortados.A todas essas figuras eminentes índios se referem, emportuguês, pelotermo “lideranças”.Outra tradução quemerece ser levada a sério: impessoal,coletivo,sempreplural.Atraduçãoescolhidaindicaquepertencemtodosaummesmo conjunto, como variantes53 . Torna evidente, ao aplicar-se tanto achefes-xamãscomoacantoresreputados,lutadores,professoreseAISs,queasdistinçõesqueinsistimosemfazernãooperam.“Lideranças”expressamelhoroque são os tenetãmo araweté, por exemplo (Viveiros deCastro 1986: 304) doque termos isolados comochefe, chefedeguerra, etc. Oabandonoda chavePolítica-ReligiãoemfavordeFesta-Guerralevaadeixardeladodistinçõesquetanto nos têm ocupado e desviado, a começar por aquela, persistente, entrechefesexamãs.Tomandoessaslideranças-pessoasquepuxammovimentosevãonafrente–emconjunto,adistinçãopertinentedizrespeitoadoismodosdeoperação,cujospersonagensseriamGuerreiroeAnfitrião.Chefes e xamãs desempenham funções de guerreiro e funções defesteiro: combatem inimigos, comaajudadeamigoscomquemfazemfestas.Isso é especialmente evidente no caso do o xamã yanomami que, conforme 52Comonotado acima, as análises raramente consideram asmulheres.Os dados, entretanto,sãoclaros.53“Leadership” é comumente empregadopor índiosnorte-americanos, comomesmo sentidodecoletivoimpessoal. 71 explicaDaviKopenawa(Kopenawa&Albert2010),promovenacasaquetemnopeito festas para os xapiri, cujo protocolo é exatamente o do reahu, a festadistintivadosYanomami, tantopara o anfitrião comopara os convidados: osxapiripe convidados pelo xamã dançam, como devem fazer todos osconvidados,ecomotodososdemaisaliados,têmdesersaciadosporumfestim,oferecido pelo xamã-anfitrião, chamado “pai” de seus xapiri. A expressão“espírito auxiliar” não parece adequada. As legiões de aliados dos xamãs sãoseusconvidados,queemfesta“seconfirmamnosódiosmútuos”aos inimigoscompartilhados,comofaziamosTupinambá,entreumabatalhaeoutra.Vejamos,porexemplo,napassagemabaixo,oscruzamentosentrechefesexamãsea“duplicidade”doxamã:Dans la plupart des tribus sud-américains, les chamanes partagent avecles chefs –quand ils ne remplissent pas eux-mêmes cette fonctionpolitique– prestige et autorité. Le chamane est toujours une figure trèsimportantedessociétés indienneset,commetel, ilestà la foisrespecté,admiré, craint.C’estqu’eneffet il est le seul,dans legroupe,àposséderdespouvoirssurnaturels,leseulàpouvoirmaîtriserlemondedangereuxdes esprits et des morts. Le chamane est donc un savant qui met sonsavoir au service du groupe en soignant les malades. Mais les mêmespouvoirs qui font de lui unmédecin, c’est-à-dire unhomme capable deprovoquer la vie, lui permettent aussi de dominer la mort: c’est unhommequipeuttuer.Àcetitre,ilestdangereux,inquiétant,onseméfieconstamment de lui. Maîtrede la mort comme de la vie, on le rendimmédiatement responsable de tout événement extraordinaire et, trèssouvent,onletueparcequ’onapeurdelui.(Clastres1967)Outrostantosexemplosexibemessaassociação(entreguerraeritual)nochefe,ouemalgum“lídercerimonial”,distinto (talveznãopelasboas razões)do “xamã”. Ou ainda nos próprios guerreiros, feitos e refeitos em festas. Sechefes,xamãs,eoutrostantoshomensdeprestígiotransitamentreguerraeoquetemostratadocomo“ritual”,éporqueadistinçãonãoopera.Asliderançasdesempenham suas várias atividades tanto em funções-festeiro quanto emfunções-guerreiro.Tomaremconjuntochefesexamãsnãobastasecontinuaremseparadospela análise, subsumíveis ao par política-religião. Eu mesma, recentemente,propunhaveremTadadahoeKailawa,grandeschefeslembradosemnarrativas 72 respectivamente iroquesas ewayana, "super guerreiros e super xamãs" (2011).Corrijo-me.Seadistinçãooperanteéaquelaentre festeiroeguerreiroetantochefescomoxamãsíndiosoperamnasduaschaves,oqueTadadahoeKailawapersonificam é a função-guerreiro em plena (portanto excessiva) potência.Tadadaho e Kailawa são guerreiros invencíveis contra quaisquer inimigos,temíveisemguerrasemtodososplanos.Estamosemplenopolodaguerra,enão por acaso é nos guerreiros supremos que podemos ver no pensamentoindígena a figura da coerção, o Um sempre recusado, o contra-estadoclastreano (Perrone-Moisés 2011). Explica-se também que essa fase da “puraguerra”, por assim dizer, seja em ambos os casos tomada como anterior àinstalaçãodomododevidaatual,feitodeFestatantoquantodeGuerra.TantoqueKailawa,aofindarotempodaguerra,declaratervontadedebebercaxirienamorar.Na função-guerreiro,oxamanismoaparece “soussonaspectmaléfique,le ‘poison’ qu’employent ses adeptes pour jeter des sorts à leurs concitoyens”(Lévi-Strauss 1971:61).Mas também na cura e em todos os procedimentos deconvocaçãodecoisasboasparaogrupo,quetodosqualificaríamosde“aspectobenéficodoxamanismo”,oxamãéchefedeguerra:convocaseusaliadosparaadefesa/proteçãoouparaumcontra-ataquea ‘espíritos’ inimigos,muitasvezesaliadosdosxamãsinimigos,edomesmomodoporeleslevantadosemguerra.Mesmo que uma cura não pareça envolver diretamente uma batalha -frequentemente relatada, muitas vezes encenada – contra os inimigos queatacaramopaciente, o ataque é sempre suposto; “todadoença é consideradacomo resultadodeumataque” éprovavelmenteum formulaque valeriaparatodos.Maséprecisoseranfitriãoparaserguerreiro.A bem dizer, em muitos casos não parece haver nada que justifiqueafirmar que o xamã atua como anfitrião de seus aliados em festas.Frequentemente agem como os xamãs do Chaco em suas curas: “il envoie(imaginairement,biensûr54)sonanimalfamilierenexploration.Toutchamane 54Nesses casos, é como se Note-se, na citação, o “imaginairement, bien sûr”; lembremos o“Witches, as theAzande conceive them, clearly cannot exist” deEvans-Pritchard, que afirma 73 est maître d’un tel esprit-assistant animal” (Clastres 1967). E mesmo osYanomami, cujos xamãs são expressamente anfitriões de espíritos, falamdelecomo“pai”dosxapiri.Oque,longederesolveraquestãopelaaproximaçãoviaparentesco,obrigaaexaminaroque“pai”queraquidizer(poisquede“genitor”não se trata). Aproxima-se obviamente de ‘dono’, no sentido de o que fazcrescer, o que cuida, num campo relacional já destacado por outrosamericanistas,comoGuerreiroeLima.Evoltamosaosnumerososxerimbabosdexamã,seusaliadosdetodasasempreitadas.Ocampodos“donos”temsidoexploradopornumerosostrabalhos.Sabemosquenãosetratadeproprietário,que a relação evoca aquela entre sogro e genro, também entre pai e filho; eaindaenvolvealgodeamansamento,domesticação–filhos,cativos,animaisdeestimação, todos no mesmo campo. Retiremos os divisores de parentesco edemaisprodutoresdeconfusão,esobraaquelequerecebe,anima,alimenta,fazviver.IssoéumAnfitrião.Podeserreveladortentarrever“donos”,“genitores”e“sogros”comovariantesdedonodefesta.O peito de muitos xamãs é, como entre os Yanomami, casa de seusaliados invisíveis, na qual estes são recebidos, alimentados, cuidados comodevemserosconvidados.Nocasomarubo,emquetodapessoaéumacasa,o“chefe-xamã” poderia então ser dito um salão de festas, frequentado porconvidadosquevêmdançar,eporduplos,quesaemparaparticipardeoutrasfestas,noutraspessoas-malocas.Lapersonnemaruboestconçuecommeunemaloca:l'intérieurducorpsreproduit la structure spatialede lamaison.Dans cet espace intérieur,les doubles (vaká) des chamanes romeya entretiennent des relationssociales analogues à celles que les Marubo établissent entre eux dansl'espaceextérieur,c'est-à-diredanslesmalocasoùs'assoitl'auditoiredesséanceschamaniques(Cesarino2011:4)A mitologia está repleta de situações em que mortais são recebidos(alimentados,hospedados,presenteados)nacasadegentesoutras;esemesseestabelecimentode relaçõesnamatriz anfitrião-convidado comas tais gentesnãoparece serpossível a chamada iniciação xamânica.Apartirdaí, épreciso também ter visto a bruxaria passar no céu apenas uma vez. É preciso nos desfazermos decertezasquantoaoqueexiste,ounãoveremosnada,nocéuounaterra.AssimleioEP. 74 reciprocar: os xapiri são convidados do xamã yanomami, que os alimenta emantém felizes (Kopenawa & Albert 2010); os xamãs yudjá são anfitriões degente-espírito(Lima2005:170-71);osdonosdeespíritoskalapalo“domesticam-nos parcialmente” oferecendo-lhes comida e música (Guerreiro 2012:230); asábiamazatecadança,bebecervejaeconversacomosSeresPrincipais,aquemdeveoconhecimentoquelhepermitecurar(Estrada1984:98).Em caso de necessidade, o xamã marubo, na função-guerreiro, cantapara invocar “l’arméed’espritsauxiliaires […],unemultituded’entitésbardéesde lances, de feux, de boucliers et de jaguars” (Cesarino 2011:24). São guerrasdiferentes daquelas movidas pelos demais guerreiros? Certamente não nosentido,paranósnaturalizado,dequeunsfazemguerra"espiritual"eosoutrosguerra"real".Os Wayana possuem uma categoria,mekparé, que congrega todos osseres agressivos, poderíamos dizer contrários: “inimigos em geral, xamãsquando executam ações consideradas deletérias, onças e gaviões, animaispeçonhentos, seres sobrenaturais” (Van Velthem 2000: 65). A categoria podenos parecer, como à etnógrafa, como “termo genérico”, marcado pelaindistinção, mas unicamente porque inclui coisas que separamos:humanos/animais/sobrenaturais, flechas/feitiçaria/ veneno, material-real/imaterial-sobrenatural,etc.Oquecategoriascomoessaindicaméquetaisdistinçõesnãooperam.Nametafísicaarara,acategoriadosudotpeemtambémtemporcritérioa“contrariedade”,ealistajuntaoquesepararíamos:são“seresque parecem gente (são, literalmente, ‘gentinha’), mas com os quais só seconsegue estabelecerrelações belicosas”, antes espíritos do “lado de fora docéu”, que assumiram a forma de inimigos como os Kayapó, os Juruna, osShipaia,osAssurini,edepoisosbrancos(TeixeiraPinto2000:409ss).Comotodasasoutrasgentes,osespíritospodemtantoseraliadoscomoinimigos,easvizinhançaspodemdeterminaralianças:en-dehors de spécificités, tout jolok d'un chamane appartenant à unfleuveestpotentiellement"bon"pourlesgensdecefleuveet"mauvais"pour ceux des autres fleuves. Car les jolok se distinguent aussi sur cepoint:lespïnapophakënetënsontceuxquivontserviràsoigner,ilssontsecourables, alorsque lesëilan, "lesméchants", sont ceuxqui flèchent. 75 On comprend de suite qu'à part quelques exceptions, tous sontambivalents et leurqualificationdépendde l'usageque le chamane enfait,delasituationgéographiqued'egoparrapportàcelledeleurvillageenfonctiondufleuve.(Chapuis1998:621)Muitas festas são expressamente feitas para gentes-‘espírito’, como oespetacular Yãkwa dos Enawenê-Nawê, inclusive chamado de “Banquete deEspíritos”.Nocasowaujatambéméprecisooferecerfestasaosapapaatai–sobo risco de voltarem a provocar doença (Barcelos Neto 2008); os Manokiconvidamseusvizinhos,quechegamcantandonaaldeia,paraajudá-losnaroçacoletiva(Bueno2014:203)Asfestassãomáquinasdefazeramigos/conjurarinimigos:Éduranteasfestasqueosyuxin juntam-seaoscaxinauácomintençõesmenos hostis, atraídos pelas cantorias e pela atmosfera alegre quecircundaaaldeia.Quandobemrecebidosporseusanfitriões,asseguramaestesúltimosumacolheirapróspera,bemcomosaúdeevigoràssuascrianças.Casoaofertadecarnenão satisfaça sua fome,a caiçumanãoestejaadocicadaesaborosaecasoprevaleçaentreoscaxinauáumclimade tensão, vão-se embora, ofendidos pela falta de hospitalidade (Yano2014:148-49)Todososconvidadosdefestasdeíndiossão,aliás,igualmenteexigentes.Os convidados às festas wari, “entre si, reclamam da pouca quantidade decomida, apesar de comerem quase sem parar” (Vilaça 1992:178). Os Manokichegamaapanhardevarados vizinhos,casoestesfiquemdescontentescomacomidaquelheséoferecida(Bueno2014:223).Osconvidadosaumpotlatchnãobatememseusanfitriõescasoosconsideremsovinasoudesgostemdacomidaoudoespetáculo,masvãoespalhandoanotíciadepoisdevoltarem,epodemacabar com a ‘carreira’ de um chefe. Certamente ficam ofendidos, como osKaxinawá:Caso a oferta de carne não satisfaça sua fome, a caiçuma não estejaadocicada e saborosa e caso prevaleça entre os caxinauá um clima detensão,vão-seembora,ofendidospelafaltadehospitalidade(Yano2014:149)Detodomodo,“hámaispessoasnocéuenaterradoquesonhamnossasantropologias”,lembraViveirosdeCastro.Easdistinçõesentreelascertamente 76 não correspondem, no caso dos índios, à separação que fazemos entre gentedeste mundo (com quem se faz Política, coisa de chefe) e gente de outromundo(Religião,coisadexamã).Adiferençaentreinimigosquetodosvêemeaqueles que em geral - ao comum dos mortais, ao não-iniciado, etc. - sãoinvisíveisnãoéanálogaànossadistinçãoentreseres"reais"e"sobrenaturais".Talvezissotambémajudasseaaboliradistinção(não-ameríndia)quepersistenovocabuláriodaetnologiaamericanistaentre“humanos”e“não-humanos”,i.e, “espíritos”. Há certamente diferenças entre os aliados que todos vêem eaquelesquesósãovistosporalguns.“Humanidade”,contudo,certamentenãoéoqueosdistingue.“Dentre os (pornós chamados) espíritos, alguns são concebidos comovivendonacondiçãodealma,masoutrossãotãopalpáveisquantonós”(Lima1999:47).Nomesmosentido,reforçandoopontoeapositividadedapesquisafeitaemportuguês,BarcelosNetoinforma:Nas conversações em português, os Wauja traduzem apapaatai como‘espírito’. Se se insiste em outras traduções e se estabelecemcotejamentos, ver-se-á que a tradução guarda sutilezas. Assim, osapapaatai, que são monstros canibais [...] não são traduzidos pelosWaujacomo‘espírito’,mascomoapapaatai ‘deverdade’,ouseja, ‘bichobrabo’. Jáosapapaataimona sãoosbichosdepelo,aquelesquenãosecome(BarcelosNeto2008:79-80).Maisadiante,prossegueoautor:“PensoqueparaosWaujaomundodosespíritos não pressupõe imaterialidade”. Mais uma vez, o proposto para osWaujapodeserestendidoaosíndios.Osinimigoscombatidospelosxamãsinclusivemuitasvezesseparecemcom- e aparecemcomo -outrasgentes, vizinhosque reconheceríamoscomo"reais"dogrupoemquestão.OsAraraconsideramosKayapó,Juruna,Shipaya,Assurini,como“espíritosmaléficos”transfigurados(TeixeiraPinto2000:408-409), e ali como em toda parte, nem todos os que parecem “gente como agente” o são. O mesmo vale para os aliados. Xarawaripë, espíritos dasepidemias,separecemcombrancos,explicaDaviKopenawa.Logicamente:vêmcomosbrancos, sãoportantoaliadosdeles, emovemguerra juntos. Inimigosdiferentesno entanto,pelos corpos, estratégias e armas; exigemguerreiros (e 77 aliadosdeguerra)diferentes55.Umacerta lógicahomeopática, parausarumaexpressãodeAlbert(2011)fazcomqueasespecializaçõesestejamrelacionadasàs diferenças entre os inimigos. Há lideranças (chefes-xamãs, dizemos) queoperam tanto na chave da Festa como na da Guerra (desempenham tanto afunção-anfitriãocomoa função-guerreiro),estabelecendoaliançascomgentesdiversas, fazendo festas e guerras em planos visíveis e invisíveis, seguindo osmesmosprotocolos.Asredessociaissãooperadasdomesmomodoemtodososcasos (particular a cada “tradição” ameríndia): casoprecisede ajuda, o xamã,comoochefe,poderácontarcomaquelesquetivertrazidoparaseulado,sendobomanfitrião.Os famosos totens individuais dos algonquinosnão são símbolos, nem"entes espirituais", como os xapiri, são corpos, são pessoas, que compõem ocorpodoguerreiro,oucomelecompõemaliançasdeguerra.Ocorporeceptordo amigo é anfitrião do aliado comquempode contar nas batalhas diversas,“pai” que cuida de um xerimbabo – a relação, seja como for, é de quem dáexistência(nosentidodeoriginarealimentar)asujeitosqueofazemserquemé:xamã,pai, sogro,chefedeguerra, líderdecaçada,donodealdeia,donodefesta. Todos seriam, de certomodo, variantes dessa relação, que aqui venhonomeandoAnfitrião.Contudo, a etnologia americanista, sobretudo sul-americana, tem sededicadocuidadosamenteàrevelaçãodeconexões(eportantodistâncias)entrechefes e xamãs, replicada em relações entre política e ritual, tudoinescapavelmenteapoiadonadistinção"homens"e"espíritos".Nãosãopoucasas complicações que a manutenção dessas categorias provoca. Resulta, porexemplo, na percepção do xamanismo como “suporte para guerras de defesaterritorial” (Ramos & Albert 2000: 15); nesses casos, diríamos não que oxamanismoésuporte,masqueosxamãsatuamaícomoguerreiros. 55Adiferença,nocasodosxapiri,porexemplo,estariasónavelocidade:sãomuitomaisrápidosem suas transações com humanos do que estes últimos entre si. Chegam para a festa numpiscardeolhos,nembem foramconvidados, e logocomem,dançam,cantamevãoàguerra.Tudo é bem mais lento (e fraco) na plataforma em que vivem os mortais. Dizem issoclaramenteosMbyá(Pierri2013). 78 Embora distingamatador e xamã, já que pensa a relação entre essas“figuras”,Vilaçachegaaumaconclusãopróxima:se o matador não é xamã, o xamã é um matador wari, flechando edevorandoos inimigos em suas aldeias e cidades.Na verdade,hoje, osxamãs são os únicos matadores, atuando ‘invisivelmente’ contra osinimigos‘reais’(Vilaça1992:114-15)ChapuisverificaomesmoprocessoentreosWayana:o fimdasguerras“visíveis” teria feito com que o que chama de “cultura da guerra” seconcentrassenoxamanismo(Chapuis1998:676);tambémentreosYagua:les capacités de riposte [de leur société] se sont progressivementdéplacées de la guerre vers le chamanisme avec le déploiement deformesnouvellesd'agressionssymboliques(Chaumeil1985b:144)Muitos outros se poderia acrescentar à lista, e a todos se aplicaria aconstataçãodequeasagressõesquecabeaosxamãsrevidarsósão“simbólicas”segundoopontodevistadecá.A leitura pela chave festa-guerra também reforçaria, por novas vias, aimpropriedadedadistinçãoentre "modernidades"e "tradições".Entreaquelescujasespecializaçõessesituamnocampodoguerreiro,estariamporexemploosAgentes Indígenas de Saúde, comoguerreiros especializados em inimigos tãoinvisíveis aos comunsquantoos combatidospelos xamãs,masdesconhecidospelosaliadosdestes.Doençasdebrancoexigemremédiodebranco;nadamaislógico. Os inimigos combatidos por esses guerreiros, agentes maléficosportadores de doença e morte, conforme o tempo passa e mais AIS sãoformados,maissetornamvisíveis,oquesófazreforçaranecessidadedecontarcomaliadosbrancos(medicamentos)paracombatê-los.OautorI.S.sabefazercom que remédios funcionem como aliados, e dominam as técnicas delocalizaçãoecombateaosinimigos.OmicroscópiodoAgentedeSaúdeéassimanálogo ao tabaco ou yãkoana do xamã em sua função curador, comotecnologiadeguerra.Sãoambosanálogosdasbordunaseflechasdeguerreirosque combatem outros tipos de contrários. E já que, como bem notarem osXikrin, as guerras hoje são “de palavras”, o domínio da língua portuguesa sejunta ao grupo de transformação. E teremos aí todas as "lideranças", as que 79 consideramoscomofundadasemtradiçõespré-colombianaseaquelasqueporvezestendemosadistinguir,porsuaorigemexternaesabidamenterecente56.A diferença entre guerreiro e anfitrião é precisamente a distinção queLowieconsagroucomosqualificativosde"chefesdepaz"e"chefesdeguerra",tipos de chefe muitas vezes explicitamente distintos pelos ameríndios. Vistoqueaquinãoé “paz”ocontráriode “guerra”,poderia serchamados “chefedefesta”oclássico"chefesempoder" imortalizadoporClastres.O“deguerra”,éaqueleque,reconhecidamente,temalgumaautoridade,masapenasporalgumtempo, enquanto durar a batalha ou a guerra. Um é anfitrião, outrocomandante;umconvida,ooutroordena;umpacifica,ooutromata;umvainafrente,ooutrocongrega(ambos iniciamomovimento);umécírculo,outroélinha.Função-guerreiro e função-anfitrião podem ser claramente dissociadas,casoemqueserãodistintos“chefesdeguerra”e“chefesdepaz”57,assimcomo“xamãs de guerra” e “xamãs de benzimento”. Em grande parte dos casosamazônicos (yanomami,wajãpi,wayana-aparai, etc), comoentreos Jê, chefespodem ser ambos (anfitriões e guerreiros),mas alternadamente: ninguém fazfestaeguerraaomesmotempo.Emoutraspalavras,adistinçãooperamesmonos chefes que acumulam os papeis, o que se manifesta na forma dealternância.A alternância entre função-anfitrião e função-guerreiro permiteentender, por exemplo, que o “líder político [suyá] [seja] ao mesmo tempo 56De fato,nadadoque sabemosatualmentea respeitodospovosameríndios "abertosparaooutro",movidospelaalteração(transformaçãopelooutro)sustentaadistinção:quantossãooscasosemqueaquiloqueconstituiamaiscastiçatradiçãodeumgrupoéconscientementedeorigem "exógena"? "Só me interessa o que não é meu", afinal, como bem dizia Oswald deAndrade.Quantoaotemposupostamentenecessáriode"incubação",porassimdizer,deumanovidade, antesqueela se torneparte integrantedo sistemaquea incorpora, vale lembrarofamosocasodarapidezcomqueosíndios,pelaAméricaafora,incorporaramosbrancosesuascoisasasuasnarrativasdeorigem.Sãoeficientíssimososmecanismosdedeglutiçãodoeventooperadospelosameríndios.57Vistoqueaquinãoé“paz”ocontráriode“guerra”,poderiamserchamados“chefesdefesta”.Esse é o classico "chefe sem poder" imortalizado por Clastres. O “de guerra”, é aquele que,reconhecidamente, tem alguma autoridade,mas apenas por algum tempo, enquanto durar abatalha ou a guerra. Um é anfitrião, outro comandante; um convida, o outro ordena; umpacifica,ooutromata;umvainafrente,ooutrocongrega(ambosiniciamomovimento);umécírculo,outroélinha. 80 representante do homem ideal [...] e também alguém que é consideradoamedrontador, imprevisivelmente belicoso” (Seeger 1980 : 108). Já os Ikpeng(Sztutman 2005 : 253), como os Pawnee (Lowie 1942) consideram que asfunçõesguerreiroeanfitrião(chefedeguerraechefedepaz)sãoincompatíveis,equenãodevemjamaisserassumidaspelamesmapessoa;osprimeirosusamamesmapalavraparafalardolíderdemalocaedolíderguerreiro–eapalavra,weblu, pode ser traduzida como “o fornecedor”, por sinal. Também entre osalto-xinguanos a incompatibilidade entre as funções guerreiro e anfitriãoaparece; expressa, por exemplo, na estrita proibição, para um chefe, de fazeracusações,oqueoobrigaatrabalharjuntocomumxamã,autorizadoafazê-las–quemreuneefazfestanãopodedesempenharfunçãodeguerreiro58.EntreosKrahô, informaMelatti, “o xamã exerce dois papéis distintos: o de “curador”(vayaka),quandousa seuspoderes embenefício social; ode “feiticeiro” (kai),quando os aplica para causar danos e a morte” (Melatti 1963:1). Não vamosentrar na discussão quanto à categoria feitiçaria: basta-nos considerar oschamados “feiticeiros”como inimigoscausadoresdemorte;dopontodevistade quem fala, evidentemente. Melatti acrescenta: “Informações posteriores àredação do artigo me fazem desconfiar que os termos kai e vayaka não setraduzem exatamente por “feiticeiro” e “curador”, respectivamente, podendoserusados ambosno segundo sentido” (Melatti 1963 : 9).Talvezporque todacura seja uma operação de guerra, precedida e seguida por operações dealiança.Mashácasosemqueadistinção,operanteportodaparte,éradicalizadae recebe expressão "sociológica". Os Pawnee, por exemplo, (cf. Lowie)consideravam a atividade guerreira continuada incompatível com a chefia depaz.EntreosIroqueses,Thepowersanddutiesofthesachemsandchiefswereentirelyofacivilcharacter,andconfined,bytheirorganiclaws,totheaffairsofpeace.Nosachem could go out to war in his official capacity, as a civil ruler. Ifdisposedtotakethewar-path,helaidasidehisciviloffice,forthetime58Aoposiçãoentrefesteiroeguerreirotalvezpossatambémseaplicaràdistinçãoentrexamãsverticaisehorizontaisnocontextodoalto rioNegro.Os “verticais” seriamdonosde festa,oshorizontais,guerreiros.Tomarfestaeguerracomovetoresdeaçãotambémpermitiriareavaliardistinçõesentre“feitiçaria”(=ataque)e“xamanismo”(=convocaçãodealiados). 81 being,andbecameacommonwarrior”, informaMorgan(1851 :71-72),eO’Brien retoma: “civil chiefs should not also serve as war leaders. If achieffeltobligedtoleadawarexpedition,hewasrequiredtorelinquishhiscivilposition(O’Brien1989:20)Os Ikpeng concordam com os Pawnee e os Iroqueses: julgam que sãoposições incompatíveis, e que não devem jamais ser assumidas pela mesmapessoa;usamamesmapalavraparafalardolíderdemalocaedolíderguerreiro– e a palavra, weblu, pode ser traduzida como “o fornecedor”, por sinal(Sztutman2005 : 253).OsModocpossuiamdoischefes,um“civil”59eum“deguerra”(Lévi-Strauss1971:15),etambémosMuskogee,entreosquaisoprimeiroreceived ambassadors, negotiated treaties, dispensed food from thegranaries and established feast days to celebrate successful hunts” (O’Brien1989:22).Também entre os alto-xinguanos, mas de outro modo, aincompatibilidadeentreasfunçõesguerreiroeanfitriãosetraduz,porexemplo,na estrita proibição, para um chefe, de fazer acusações, o que o obriga atrabalhar juntocomumxamã,autorizadoa fazê-las–quemreunee faz festanão pode desempenhar função de guerreiro.Desconsiderando essa distinção,bemameríndiaenotadadesdeosprimeirosregistros,Santos-Graneromisturachefe de paz e chefe de guerra (e com eles pula do ‘intragrupo’ para o‘intergrupo’),paradesembocarnumanomínimocuriosaconclusão:After providing a detailed account of the relationship between politialpowerandtheownershipofritualparaphernalia,Århemundermineshisfindingsbyclaimingthatcontrolofrituallifeisa‘fragilebasis,whichinitselfdoesnotproducestrongleadershiporauthorizephysicalcoertion’(1981:85). Itmightwellbe true, toacertainextent,with respect to therelationship between a leader and his own followers, but when weconsiderthatthestealingofritualproperty isan invitationtowarthatsets different territorial groups aganinst each other with fatalconsenquencesforbothsides,oneshouldbeclearerastowhatismeantby ‘lackofstrongleadershipandphysicalcoercion.’Political leadershipinLowlandSouthAmericaismoreclearlymanifestedinintergroupthanintragrouprelations,andinthiscontexttheMakunaarefarfromhavinga‘weak’leadership.(Santos-Granero1986:672) 59“sans pouvoir de coercition [...] devait surtout se montrer un orateur persuasif dans lesassembléescommunales”(Lévi-Strauss1971:16) 82 Emprincípio,poderíamosdizer:sim,emsituaçãodeguerra(‘integrouprelation’) surge o que poderia ser qualificado de ‘chefia forte’. Os Makuna,como todos os índios, aceitam a autoridade do chefe de guerra,temporariamente. Não há aí nenhuma novidade. Mas Santos-Graneroclaramentepõedeladoarelação ‘entreumlídereseusprópriosseguidores’oque excluiria também o chefe de guerra do raciocínio. Resta-nos a curiosaproposta de que a ‘coerção física’ existe sim, na guerra... mas se é exercidacontra os inimigos e não pelo ‘líder’ sobre os ‘seus’, esta última relaçãopermaneceassociada,nasAméricas,ao“chefetitular”deNimuendajúeLowieeao“chefesempoder”deClastres,pormaisqueoautorseesforceemesvaziaravelha constatação e as tentativas de entendê-la. Amesma confusão surge napágina seguinte, em relação aos Shuara (Jivaro), agora a partir de outroetnógrafo,igualmentecriticado:[...] in spite of the fact thatHarner points to the absence of a formalpoliticalorganisation[...]andevenofaproperchiefdom[...],itcouldbesaidthatthekakaram,orpowerfulJivarowarrior,isclosertowhatcouldbedefinedasapoliticalleaderthanthehigh-rankinglocalshamans.Ineffect, despite the fluctuating nature of his authority, which is greatlyenforcedintimesofwarandseriouslydiminishedintimesofpeace[...](Santos-Granero1986:672)Aúltimafraseecoaobservaçõesantigaserecorrentesquantoàefêmeraautoridadedochefedeguerra,queClastresinclusivepõeemdúvida:a disciplina não é a força principal dos "exércitos" primitivos, aobediêncianãoéoprimeirodeverdocombatentedebase,ochefenãoexercenenhumpoderdecomando.Pois,contrariamenteaumaopiniãotãofalsaquantodifundida(ochefenãodisporiadenenhumpoder,salvoem tempo de guerra), o líder guerreiro, em nenhum momento daexpedição (preparação, batalha, retirada), tem condições — caso sejaessasuaintenção—deimporsuavontade,deintimarumaordemàqualele sabe de antemão que ninguém obedecerá. Em outras palavras, aguerra, como a paz, não permite ao chefe bancar o chefe (Clastres2004:274)Voltando ao artigo de Santos-Granero, algumas páginas adiante,saberemosqueomesmo‘poderosoguerreiro’ganhaprestígio“notonlyforhisnumerouskillings,butforhisconsiderableritualknowledge”(Santos-Granero1986: 674).Ou seja,mestreda guerra edonode festa: comoque a confirmar 83 quesãoessasasfigurasda‘política’entreosíndios.Noúltimocasoconsideradopeloautor,odosXavante,éelemesmoquevaloriza–contrariandoMaybury-Lewis – “the significance of the ceremonial activities of the Akwĕ-Xavanteleader”(Santos-Granero1986:675ss).A distinção é nativa, e aparecemesmo quando não se quer vê-la. Emcertoscasosmarcaposições:especialistasdeguerraeespecialistasdefestanãose confundem, chefe de guerra não pode ser chefe de paz, curador não éfeiticeiro. Separam-se sociologicamente as funções anfitrião e guerreiro: umcuida de congregar, alimentar e alegrar, outro da igualmente fundamental,porquecomplementar,tarefadedispersar,matar, fazerchorar. Nãoéprecisoqueadistinçãoentre suasatividades sejapensadanoeixovertical-horizontal.Masésemprepensada.Noscasosemqueasfunçõessãoacumuladasporumamesmapessoa, xamã "ébom, e é ruim", como sabiamenteponderavao chefewayanaJoãoAranha,ouchefestêmcheirodejaguar,oudealgumaoutracoisaque não combina com festa. Aos chefes de festa cabemanter sob controle oímpetoguerreiro,tantoemsicomonosseus.Aindaqueamesmapessoapossacumprir alternadamente ambos os papéis, sua relação com os "seus" ou seus"outros"nãoéamesmaemcadacaso.Afunção-anfitriãosupõe,nacontramãodapredaçãoedamorte,oconsumoea festa,alegriaentreamigose,por issomesmo, confirmação de guerra aos inimigos. Um “feiticeiro” seria um xamã-guerreiro,um“curador”,alternadamenteanfitriãoeguerreiro.De todomodo,sãofunçõesdistintaseopostaspelopensamentoameríndio;aoposiçãopodeounão ser expressanoplanoda "organizaçãopolítica" ou “social”, está lá, comogramática.Eseé fatoquenosmundosdos índiosnada“permitea totalizaçãodospontos de vista singulares e irredutíveis”, seria menos uma questão de“ressonância [ou] harmonia” (Carneiro da Cunha 2009:113), do que dedissonânciaseoposições.Seissoforverdade,aconvergêncianãoseriaoperadapor“xamãs”demodoparticular,maspor“anfitriões”,quemquerquesejamosconvidados. 84 85 TURMASDEFESTA,TURMASDEGUERRAVários problemas na localização, denominação e classificação de“grupos”,queresultamnaquelaimagemde"fluidez"bemconhecida,podemserencaradosdeoutromodosetomarmosa festacomomodelorelacional: festastem duração limitada, sua composição demográfica não é fixa; os gruposformadosporumafestanãotêmnomeetampoucoexistemparaalémdecadafesta; contexto,história.As turmasmudam,mudamseus locaisde festa, eosnomes são tão efêmeros quanto os coletivos festeiros e guerreiros emque seorganizaavidasocialameríndia.Limaexplicaousoquefazdotermo“grupo”emseulivrosobreosYudjá,apesar deste (alvo de críticas poderosas, como sabemos) ter aparentementecaídoemdesuso:[...]meuapegovemdenãohaverumaglosamelhorparaosdiferentesusos do –away yudjá, que é sempre referenciado a uma pessoa [...] oshomens que falavam português diziam, nele pensando, "o pessoal defulanooubeltrano".Osaway yudjá sãobem,assim,variedadesde "umcerto pessoal" - mas grupo, não sei, daria mais elegância à etnografia(Lima2005:110).Defato,otermoqueescolhoaqui,‘turma’,talvezsejadeselegante.Masparece-me, parafraseando-a, que não há glosa melhor para esses agrupamentos dosíndios, que sempre atravessam nossas classificações.Muitos índios no Brasil,alémdos Yudjá, usam a expressão ‘o pessoal de x ou y’ para expressar o quetraduzimos como aldeias, grupos locais, conglomerados residenciais etc. Etambém,emoutroscasos,omodelo(expressoporumtermocomoaway)valepara denominar conjuntos (igualmente efêmeros) como chefe da caçada-caçadores, chefe de guerra-guerreiros, chefe de festa-aldeões. Outros índiosdizem‘aturmadexouy’.Emnotadefimdepágina,otermo‘turma’aparece,aoladodegrupo,família,concidadãos,pessoal,povo,comunidadelinguística,comopossibilidadesde traduçãodosváriosempregosdo termoquedenotaapertinência a um mesmo away. "O away é independente de sua ordem de 86 grandeza, suaduraçãoe sua finalidade", escreveLima (2005:110), chamandoaatençãoparaavariedadedeescalasecontextosemqueessemodelorelacionalserealiza.Emtodososcasos,trata-sedeconjuntoscompostosporpuxadoreseseguidores60. Tamanho, duração e finalidade variam. Reconhecer neles o quechamaríamos de turmas, porque alguém as reúne (e lhes emprestaeventualmenteonome),pode-sepertenceravárias,porquepodemdurarhorasouanos,parece-meomelhormododeescapardasderivasessencialistasque,comtantarazão,foramapontadasnousodetermoscomo"grupo"e,antesdele,"tribo"ouamalfalada"sociedade".Asociologiadequemseorganizasempreemturmas pode parecer malandragem. É exatamente esse tipo de desafio postopelasmatrizesrelacionaisdosíndiosquevaleapenaencarar.Amatrizdetodasessasturmas,sugiro,poderiaservistanarelaçãoentreanfitriãoeconvidado:oprimeirochama,vai à frente,oferecealgo;osdemaisseguem,porquequerem,prestamserviço61,recebemalgo.Anfitriãonãomanda,tem obrigação de zelar pelo bom relacionamento entre os que reúne, éresponsável tanto pelo empreendimento em si quanto por cada um de seusseguidores.Seuprestígioatraiseguidores,tantomaisnumerososquantoforembemsucedidososempreendimentosquepropicia62.“Dono de aldeia , isto é, chefe [...] segundo entendo, as pessoasconcebemaexistênciadeumaaldeiacomoumaatividadecoletivaquediferedeoutras apenas por sua maior duração (Lima 2005:97). As “aldeias”, “gruposlocais” e demais “turmas”, associadas a um chefe, podem também serconcebidas como festas das quais ele seria o “dono”63. A palavra suyá quetraduzimospor"chefe"ou“liderpolítico”,merõpakandé,“traduz-seliteralmente 60E se estivermos no bom caminho, a mesma relação entre um puxador e seus seguidores,compondoumaturma,seriaverificávelentrexamãseseusaliados‘invisíveis’.61 No caso das turmas de caçadores, limpadores de roça, guerreiros, aliados do xamã,preparadorasdecauimetc.mprocuroummelhormododemereferiraoqueosseguidoresdãoaseupuxador:osconvidadosparecemtersempreaobrigaçãodedançar;detodomodo,sempretêmdedaralgo.62Nesse sentido, nãodiria que "em seu interior, todo grupo contémassimetria,mas vistodefora, aparece como de equivalentes (Lima 2005:117); antes, que toda turma se constitui emassimetria puxador-seguidores, e é essamesma assimetria que amatriz anfitrião–convidadospermite compreender, que conforma as relações entre turmas diferentes. Não há mesmo‘dentro’e‘fora’.63Valeria rever caso a caso. Muitos “donos”, aliás, são descritos como “donos do pedaço”,responsáveisporquemestiverdentrodele. 87 por ‘dono-controlador do local onde os Suyá vivem em grupo’” (Seeger1980:108). Um exemplo entre muitos. Trata-se de conjuntos de pessoas(sempre) temporariamente reunidas por alguém que as “puxa” e ficaencarregadodemantê-lassempre“vivendobem”,comalegria,pazefartura.Nocasodoschefes,éprecisoestardispostoa,literalmente,bancaruma"festa"deanos(ou“festas”aolongodeanos)enquantoquiserpermanecernafunção.A associação entre aldeias e festas aparece na descrição, feita pelosKrahô, das belas (ideais?) aldeias canela como aldeias grandes, nas quais erapossível fazer belas festas (ver também Melatti 1978) mas que, emcompensação,aumentavamaschancesdebriga;asaldeiasentãosecindiam,asfestasseseparavam.Associandoporoutraviaaldeiasefestas,Melattiesclareceque"aaldeia[krahô]éumaunidadepolíticamaisestáveldoqueafacção[...]éo grupo que promove os ritos", mencionando em seguida as dificuldades,apontadaspelosKrahô,defazerfestasecorridasdetorascompoucagenteeafaltade"movimento"comoumadasrazõesparaaldeiasmenoresse fundiremàsmaiores(1978:74-5).Édifícilumaaldeiagrande,bonita,boaparafazerfestasgrandes,semanter:acabadandobriga.ParaumTimbira,amedidadeumaboaaldeiaéasuacapacidadedeproduzirboas-belas-grandesfestas.Afamadeumaaldeia ede seugrupo é amemóriade suasboas festas, guardada edifundidapelos convidados, que é semprepreciso agradar.Mas seo tamanhoda aldeiapodedeterminarapossibilidadedeoferecerboasfestas,grandesaldeias,comograndes festas, não podem durar. Toda festa é temporária, exceto aquelasprometidaspelosgrandeskarai(Sztutman2005),eternas,precisamenteporquenãosãodestemundo.Tambémésófestanaaldeiadosmortos,dizemosKrahô(CarneirodaCunha1976)64.Cánaterra,avidaéfeitadeFestaeGuerra.Asconvenções jêeguianenseparaarelaçãoentrealdeiasdivergem,namedida emqueos primeiros parecemoperar preferencialmente por fissãodealdeia eos segundos individualizama criaçãodenovasaldeias.Emambososcasos, as aldeias se multiplicam – mas não como nossas cidades: sua 64Falou-se,nessescasoseoutros(Lévi-Strauss,CarneirodaCunha,porexemplo)emumdesejode viver "entre si", "entre consanguíneos". Se algum desejo aí se expressa, parece-me antesaquele, declarado, de viver em festa: não “entre si”, justamente, porque festanão se faz “emfamília”,massupõea“aberturaaooutro”. 88 composiçãoe localizaçãosãoaltamentevoláteis,comosesabe(“volatilidade”:expressãodeuma filosofia da brevidadeda vida. Tudoo que é vivomorre, eviver é o contrário demorrer).Mas em ambos os casos supõe-se a divisão, amultiplicaçãoe,sobretudo,ocontraste.Ocaráter fundamentaldadiferençaedaoposiçãonopensamentoameríndioparececarecerdeexplicação,jáquetemsido brilhantemente demonstrado e descrito 65 . No plano da vida aldeãameríndia, essa filosofia do contrário, digamos, expressa-se na produção deopostos.Éprecisosemprehaverpelomenosoutraaldeia,casocontrárionãohávidasocialpossível.Aidéiadeuma“aldeiaglobal”torna-seumpesadeloaindamaiorquandovistadestaperspectiva. “Apenas a participação plena no sistema ritual torna um grupoverdadeiramente xinguano, ou simplesmente “gente” (Guerreiro Jr. 2012:25).DaviKopenawapensaacontinuidadedaquelesaquemchamamosYanomamicomoacontinuidadedafestareahu(Kopenawa&Albert2010:224);Yanomamié um nome que lhes deram. "Os do reahu" talvez os qualificasse maispropriamente. "Vocês sãooutragente.Vocêsnãodão festasreahu.Vocêsnãosabem fazer dançar os xapiri”, diz ele (Kopenawa & Albert 2010 : 339). OsKalapalo,igualmente,[...] não hesitam em explicitar que seu estilo de vida, baseado noregionalismo pacífico, nas trocas e no esporte, não só atinge suaexpressãomáximano“[kwarup]comodependedele:seumdiadeixaremde praticá-lo, é porque terão se transformado em “índios bravos”(ngikogo)oubrancos(GuerreiroJr.2012:27-28). Quando “etnogêneses” (no Nordeste brasileiro, por exemplo) sãoacompanhadasdabuscaporuma“festa”adistinguirogrupo,sãopropriamenteameríndiosseusmodosemotivos:éemfestaquesefazuma“turma”(coletivo,grupo),cadaumtema“suaprópria”eissoqueadistingueé,invariavelmente,aprendidocomgenteoutra.Aproximamo-nos,aqui,daquiloqueViveirosdeCastroafirmaarespeitodas ontologias ameríndias amazônicas: "diga-me como, com quem e o quecome (e o que come com quem) – e eu lhe direi quem é" (2011: 3).Mas, na 65DesenvolvoessepontoemPerrone-Moisés2006b. 89 verdade, comer é só parte da coisa, pormais importante que seja. Pensando,por exemplo, nos Mbyá quando procuram se aproximar dos deuses fazendofestascomoeles(Pierri2012),afórmulaseriaantes:diga-mecomoecomquemfaz festa e guerra e saberemosqual é a sua turma.Por isso, entreosTupidaCosta,é[...] certamente a comensalidade antropofágica que delimita asunidades bélicas e que assim, de uma certa maneira, forma ouconfirma as unidades sociais. A antropofagia que “confirma nosódios” aparece como um modo de produzir “inimigos mútuos”,tabajara,eportantosinalde lealdadeúltima(CarneirodaCunha&ViveirosdeCastro1985:86). Aplicando a chave festa-guerra proposta, seríamos levados a ver entre“unidadesbélicas”e“unidadescomensais”umarelaçãoconstantedefabricaçãoe transformação do que proponho chamar de turmas de guerra e turmas defesta.Comosecadafestacorrespondesseaum"cortesincrônico"ou“pausa”nosentidoemqueLévi-Straussaplicaotermoàfamilia,pode-sedizernocasoquea “comensalidade antropofágica” tupinambá determina as “unidades bélicas”,semprepassageiras. SeThevetnãodetectou entreos agrupamentos tupinem“trégua”nem“pacto”,éporquenãohaviaunidadesquepudessempactuar.Umafesta pode selar uma aliança ou suspender as hostilidades entre dois grupos,comoexemplificaminúmerosmitos.Osgruposaliadossãoformadoseconfirmadosemfestas,oqueexplicaquepelaAméricaaforaosíndiosapreciassemofatodosfrancesesparticiparemativamente de suas festas e, em seguida, acompanharem-nos nas guerras(Perrone-Moisés 1997; em preparação). Os blocos de guerra se formam emfestas,masésempreprecisolembrarquenemporissosepodefalaremblocosdealiadosversusblocosde inimigos,nemtemporariamente.Comotoda festade índios, o festim canibal tupinambá exige a presença de contrários efrequentementetransformacomensaisemtabajaras.Nãosetratadetotalizaçãodosocius,portanto,namedidaemquenadaaquiétotalizado,eosociusincluia exterioridade que o compõe ao se lhe opor66. Só se faz festa e guerra de 66Nessesentido,valelembrarquefesta-guerranãocorrespondeadentro-fora:festaseguerrassãorelaçõesentre“dentros”e“foras”. 90 diferenças. E novas diferenças surgem a cada festa e a cada festa. Comototalizaraex-centricidade?Ahipóteseédequetantoquantoasaldeias,confederaçõeseatéosditosimpériosentreameríndiospossamserentendidoscomofesta.VejamosnatesedeMurra(1976)sobreoimpérioincaacaracterizaçãodarelaçãoentreoIncaeseus "súditos": tributo-redistribuição. Na Europa, pelomenos, a relação é demãoúnica:osoberanonãoredistribuioquerecebe.Mantemosalinguagemdavassalagem,enquantooIncagarante(detodososmodosconcebíveis)obem-estar, a fartura e os “grandes rituais”. Enquanto puder garantir o bomandamento da festa, uma rede de pessoas ligadas pela relação anfitrião-convidado pode, aparentemente, estender-se por milhares de quilômetros eabarcarmilhões(nocaso)departicipantes.Noque,afinal,era"investido"otaltributo senãonobem-estarde todos (daí aaproximaçãocomowelfare state)ou,melhorainda,emgrandesfestascoletivas?Erapelopagamentoounãode"tributo" que os portugueses distinguiam a sujeição: não estão sujeitos aosfrancesesnoMaranhão,diziam,porque"nãolhespagamtributo"(cf.Perrone-Moisés1997).Nãoeraefetivamentedesujeiçãoquesetratava,masdealiança.Oquealiadostrocamnãoétributo,sãofestas.Afestapoderiaserparaosíndios"asociedadecelebrandoasimesma",comodisseDurkheimsobreareligião?Poderia,sehouvesseali"uma"sociedadee se a "celebração" não fosse, diferentemente da repetição da Lei (ou Ser daSociedade),comopensavaele,aaberturaparaosoutros,paraatransformaçãoeparaoevento.PorissoFernandesencontravatantadificuldadeemdeterminaras “unidades” tupinambá, sempremutantes, e apenasmanifestas na oposiçãoemblocosinstáveisdealiadoseinimigos,elesmesmosfeitosdediferenças.Poressa razão incomoda a insistência de Clastres no desejo de autonomia queatribui aos coletivos ameríndios – o pensamento ameríndio é heteronômico.Porissosãotãovoláteisosetnônimos,osnomesdealdeias.Umgrupolocalemquetodossão“amigosealiados”,queconstituium“grupoguerreirofortementesolidário” (Fernandes 1963:73)dependedeoutrosaquempossaconvidarparasuasfestas. 91 Afestaécongregaçãoeproduçãodediferenças,celebraçãodealianças.Variável, instável, efêmera, em constante transformação, como tudo na vida,comoaprópriavida.Figurabemadaptadaà"socialidadecontraoestável",naprecisa67expressãodeMacedo(2009). 67Eporissobela.Serviria-meaquiqualquerumadasmuitaspalavrasameríndiasqueexpressamacoincidênciadobelo,docorreto,doconveniente. “Estética”,outracategoria-espartilho,queno mínimo é sempre preciso associar à “ética”. A “utilidade”, poroutro lado, parecedesinteressante, espécie de subproduto óbvio de qualquer ação bela, correta e conveniente.Comosenãopudessehaver“utilidade”sem“beleza”.Sejacomofor,jábemdiziaBataille(1933),nãohácomodeterminar“cequiestutileauxhommes”. 92 ABERTURAPARAOEVENTOA cauinagem tem muito de teatralização da guerra, mas, como vãoprocurarnoexteriorparceirospararepresentaropapelcomplementaraoseu, resultaquedacauinagemdemodoalgumeupoderia jurarque sefechaaoacontecimento(Lima2005:243)Emfestaseguerrasasestruturassedeclinamemhistória68.Culturaéummodo se se transformar. As festas ameríndias são o locus de suas variaçõeshistóricas. Enquantohouver reahu, aqueles chamados deYanomami existirãoemseusafastamentosdiferenciaisemrelaçãoaoutroscoletivos.OsTupinambáabrirammãodomoquémdeinimigo,masnãodafesta.Tampoucoabrirammãoda guerra. Como “abertura para o evento", cada festa produz um coletivo,sempretemporário. As festas servem aos índios como marcadores temporais (e tambémespaciais). Amemória histórica kaiowá se declina como uma série de festas,guaxires, e os "principais" Kaiowá são lembrados, sobretudo, pelas festas quepromoveram(Pimentel2012,cap. 1).A listadasglóriasdeumchefekwakiutl,domesmomodo,éuma listadas festasquedeu.Domesmomodo,ahistória(incluindo a que qualificaríamos de “política”) do Xingu é uma sucessão dekwarups,adoAltoRioNegrosepassaentre juruparisedabucuris,etc69.DaviKopenawa(Kopenawa&Albert2010)iniciaváriasnarrativascom"umreahunacasadex",comomedidatemporal.ÉdamemóriadetalhadadefestasidasTheabilityofinformantstorememberspecificsofritualsthathadtakenplacedecadesbeforewasakeypartofVerswijver's(1992)methodologyinreconstructingachronologicalhistoryofthewesternKayapogroups.(Fisher2003:133) Festas são ao mesmo tempo emblema de continuidade e locusaparentementeprivilegiadodeincorporaçãode“estrangeirismos”.Opropalado“consumismo” xikrin é uma explosão de festas; o mesmo ocorreu com o 68Enissorevelamser“estruturas”(Perrone-Moisés2001).69 Há também a linha da guerra, evidentemente: memórias de combates, comumentecompartilhadasnasfestas.Detodomodo,cadabatalhaevocarásuasfestas,evice-versa. 93 potlatch,“inflacionado”pelaentradadebensdosbrancos70.Emambososcasos,as festas foram incorporando mais e mais “novidades” , incluindo “bensintangíveis”, como gestos e canções. Não por acaso é no kwarup que osxinguanosinseremseusaliadosbrancos,vivosemortos;asfestasfazemaliados;eelesvãomudandocomotempo,assimcomoosinimigos,easguerras.É sabido também que incorporam-se (alegremente), festas de origensdiversas:deaniversário,doDiadoIndio,religiosas.Emalgunscasos,tomamolugardasfestas“tradicionais”.Contantoquehajafesta... Oquefazpensarnaindagaçãodeumassessor,quenoterceirodiadeumareuniãodecaciquesdorioParudeLeste(julho2012),diantedaspropostasqueosgruposlhetraziamparaorganizaratividadesfuturascomvistasaobjetivospreviamenteacordados,exclamou: "masvocêsgostamtantoassimdereunião?serámesmonecessáriofazertantasreuniões?"Defato,oscartazinhosquecontinhamoquecadagrupoconsideravaindispensávelparaarealizaçãodeobjetivosemrelaçãoàsaúde,àescola,àpistadepouso,aosprojetosdeartesanatoeoficinas,listavamtodososmesmositens:combustível(paraosmotoresdepopa),alimentação,papeletc,calculados para permitir várias reuniões. De quantas reuniões precisa umcoletivoameríndioparadecidirecolocarempráticaumadecisão?Muitasmais,comcerteza,doquenós.Sim,elesgostam"tantoassim"dereuniões:privadosdas festas, que não realizam há anos, resta aos Aparai e Wayana, comoaparentemente amuitos outros grupos, fazer das reuniões ligadas a projetos,dosencontrosdepastores,dasfestasdeaniversário,asocasiõesdereunião.Observa Gallois (2000: 211) que quando os Wajãpi tinham menoscontato, faziam menos festas inter-grupos e possuíam repertóriosdiversificados;agora,aproximadosporumasériedefatores,têmfeitocadavezmais festas de caxiri que reunem membros de grupos diferentes, de onderesultauma–lamentadaporalgunslíderes–“mistura”nosrepertórios. 70PareceterocorridoomesmoexcedimentoeesbanjamentoentreoschefesnaPolinésia,emdecorrência da relação com os colonizadores. De todomodo, vale a pena comparar as duasregiões. 94 SOCIEDADESCONTRAAECONOMIATodas as descrições e análises da chefia (não só dos índios, por sinal),costumam arrolar características diferenciais dos chefes no plano queconcebemos como “econômico”. Chefes têmmais roças,mais casas. Entre osKwakiutl,informavaBoas:Possessionofwealth isconsideredhonorable,and it is theendeavorofeachIndiantoacquireafortune.Butitisnotasmuchthepossessionofwealth as the ability to give great festivals which makes wealth adesirableobjecttotheIndian(Boas1895:342-3)Defato,concentradasno“controle”dochefesobrerecursos,asanálisespoucodãoatençãoàdistribuição.Que,porsinal,éobrigaçãodochefe.Resultadaí que todas as riquezas, “materiais” ou “imateriais” que o chefe estãodestinadasaseresbanjadasemfestas.Roçasdechefe,porexemplo,costumamserapresentadascomoumdoselementosindicativosdaposição“diferenciada”dochefeemtermoseconômicos.Ocoletivotrabalhanaroçadochefe,somosinformados,esóelepossuiumaroçaassim.Taisroçascoletivasdependemda"autoridade"dochefe,queorganizaotrabalhodetodos.Asanálisesressaltama“produção”coletiva,adesigualdade“econômica”.Écomumtermosdeavançarpáginas,namesmamonografia,parasabermosqualodestinodastaisroçasdechefe.Costumaser,precisamente,consumidoemfestas.Éoferecendoatodosos moradores da aldeia uma refeição que o chefe krahô retribui aos quetrabalharam na "sua" roça (Melatti 1978 : 76), de modo que a roça dita "dochefe" serve justamente para garantir esses banquetes coletivos. As roçasyanomamisãofeitasparaoreahu(Kopenawa&Descola2010).VertambémDaMatta24-25.Talveztodasas"roçasdechefe"sejamconsumidasemfesta.Todoscontribuem, sim,paraqueo chefepossamostrar-sebomanfitrião.Menosdoque"dono"daroçaemquestão,eleéocatalizadorda festa(adaausênciadepenúria).ÉparadargrandesfestasqueosnobresSalishamealhamriquezas:Themenknownashehgoospossessedseveralattributes,oneofwhich 95 waswealth.WealthySliammonmenachieved their richesdue to theirpossessionofspecialguardianspiritpowersandknowledgemoreoftenthanthroughinheritedcharacteristics.[…]Theycouldamassthewealthnecessarytohostgrandfeastsandgiveaways.(Washington2004:591)Domesmomodo,a“relativariqueza”docapitãometyktireéconsumidano“patrocíniodegrandescerimônias”emqueconfirmasuagenerosidadeeseconfirmacomocapitão;aqui também,“chefeoucapitão ‘dátudooquetemeficasemnada’”(Lea2012:33).Ocornesha,“politicalleader”amuesha,“receivedgiftsand‘tributes’[...]thathewouldlaterre-distributeamongstthecelebrants[oftheceremony]”(Santos-Granero1986:677).A última informação aparece numtexto que justamente, enfatiza o‘recebimento’edesconsideraa‘redistribuição’,localizávelemtodososcasosalielencados,paraconcluirqueThere are good reasons to believe that, in [South America], politicalpowerwastraditionallybasedonaclaimtopossesstheritualknowledgenecessary to guarantee the existence and reproduction of bothhumankindanditsenvironment.Thisritualknowledge,forwhichIhaveusedtheterm‘ritualmeansofproduction’[...]inallcasesisassumedtobethemonopolyofeithershamans,priestsorwarchiefs,andtobeanessential part of productive and reproductive processes. For thesereasonswemayconcludethatpoliticalpowerinAmazoniansocietiesisnot only embedded in economic relationships, but it is economic innature. Political power and the ritual production are two sides of thesamecoin.Inaddition,theexerciseofpoliticalpowerinLowlandSouthAmerica is seen as encompassing the highest of moral purposes: thegivingoflife(Santos-Granero1986:678)Umacuriosanoçãodeeconomia,emque“mysticalmeansofproduction”sãomais relevantesna análise doque roças – cujos cuidados e utilização emfestasoslíderesinvariavelmentetêmo“poder”dedecidir.Poderesfundadosno“controle” de um “life-giving power”, exatamente como entre os antigosSumérios ou os Reis Taumaturgos. E assim os índios sulamericanoscompletariam, afirma o autor, o quadro proposto por Hocart em Kings andcounsillors(1936).Curiosomesmoéqueumaanálisetãoaplicadaemdesfazera 96 imagem do “chefe sem poder” se encerre com a reafirmação da principalqualidaderequeridadechefes-donosdefesta:“unrestrictedgenerosity”(Id.Ib.)Pensarachefiaentrefestaeguerralevaaatentarparaoconsumonadaeconômico que, tanto na festa como na guerra, garante a produtividade deambas. Aqui novamente, produção e consumo estariam relacionados “emgarrafa de Klein”, ao passo que nossas análises, marcadas por modelos de“economia”,tendemaconsiderarcuidadosamenteaproduçãoeadistribuição,enquantodãoquasenenhumaatençãoaoconsumo.ComoobservaStrathern,Eating...isnotanintrinsicallybeneficialact,asitistakentobeinthe Western commodity view that regards the self as therebyperpetrating its own existence ... Consumption is not a simplematter of self-replacement, then, but the recognition andmonitoringorrelationships(1988:294).Aqui,nãoéreforçoouconfirmação:éfeitura,acadacomensalidade.Operamos com categorias como "propriedade", “produção”, "trabalho",enquantoeles,laboriosamente,tecemrelaçõesdecirculaçãoeconsumo.Valeriatambémreversobessaóticaoquechamamosde“pagamentoseremunerações”eosmúltiplosmalentendidosenvolvendo“frentedeatração”.Agenerosidade é o valor supremo, única fonte de prestígio, e “dar” algo, nessecontexto, é estabelecer relações,moldadasna relação festa.Osbrancos agemcomo anfitriões (no momento da atração) e depois se comportam comopatrões.Paramdealegrarcomospresentesquedistribuem,eaomesmotempoexigemtrabalho,instaurandoo“pagamento”.OcasoAraraéexemplar(TeixeiraPinto 2000). Ao contrário do que se espera de aliados,menos ainda quandoesperammanteralgumprestígio,osbrancos,observamosMetyktire,“sóderampresentes para nos amansar, para nos [fazer] parar de brigar. Os presentesparam quando os índios ficammansos” (in Lea 2012 : 26). “Sovinice” sempredispersoua turma, edeixou chefes ameríndios falando sozinhos.Nãohaveriadeserdiferenteemrelaçãoaosbrancos.Ainda na chave das explicações “econômicas”, mereceria revisão aquestão do privilégio dos povos que viviam em regiões de confluência, e setornaramosgrandesintermediáriosdocomérciointertribale,posteriormente, 97 docomércioentre europeuseoutrospovos indígenas.Aposiçãodedestaquepolítico desses povos costuma ser vista como resultado de seu sucesso emmanter o provinha do monopólio do comércio, ou das mercadorias,controlando seu fluxo e sua distribuição. O fato é que favorecidos pelageografia, eram esses, qualificados de “intermediários” ou “controladores” docomércio, os maiores anfitriões regionais. As mercadorias eram merosacréscimos à distribuição da festa, ao "esbanjamento" que produz o prestígiodoshomensedosgrupos.Tantoquelugarescomoesses,geralmentesituadosemgrandesrios,naconfluênciadeváriasviasfluviais,eramobjetodeacirradadisputa intertribal. Mas não pelo “controle do território” ou do “fluxo demercadorias”. Na América do Norte, os Iroqueses varreram do vale do SãoLourenço os igualmente iroquoianos Huron. Atualmente, à beira da ilha deMontréal,umdesses lugaresderealizaçãodegrandes festas(feiras)anuaisdeséculos passados, são os Mohawk, Iroqueses vindos do sul, que recebem ospovos dos afluentes da margem norte do São Lourenço para os pow-wowsanuais71 . O prestígio dos Mohawk como guerreiros (desde o século XVII)continuasendoalimentadotambémcomofesteiros.Considerandooexcedentequeasfestassempreexigem,somoslevados,mais uma vez, a recusar a suposição de incapacidade de produção deexcedentes que constitui a base de tantas apreciações sobre a polítice e aeconomia . Também balançam ideias como “baixa exigência material” cf.Sahlins. Não há excedente entre os índios, de fato, à diferença de outroscontextos (polinésios, europeus, asiáticos, etc), em que depósitos visíveispermitem auferir sua existência. Porque a produção além do consumoimediato, constante, é destinada ao esbanjamento em festas, cujas exigênciassãoaltíssimas. 71EtalvezissofinalmentenosdênovaspistasparaentenderempreendimentoscomoessedosIroqueses,expansionistas.AvelhaperguntadeFlorestanFernandes:nãoerapelasriquezas,nãoerapeloterritório,nãoeraparaterescravos,porque,afinal,faziamguerrainvadindoterritóriosalheios?Embuscadosmelhoreslugaresparadargrandesfestas,fosseparagarantiropróprioprestígionoâmbitoregional,comooschefesdaColumbiabritânica,todosbrigandoparaserosmelhores,maiores,anfitriões.Tambémparagarantirafesta,essasemfim,andaramemdireçãoaomarosGuarani. 98 DEVOLTAÀPOLÍTICA-ANOSSA Énocampoda“negociação”,dadefiniçãodealiançaseoposições,quesesituaoquechamamos,entrenós,depolítica.NoprojetocomparatistapropostoporDetienneembusca“dequelquechosequipourraitêtre ‘du’ ‘politique’”,énesseplanoque se formula aquestão central: “como se reunemparadebaterassuntos compartilhados?” (Detienne 2005:9-11). Detienne lista “une série dequestions,toutesrelativesàdespratiquesconcrètes”(Detienne2005:10)como:quem inicia o processo de reunir-se (s’assembler), onde/quando ocorrem asassembleias,quemaspreside,comosetomaapalavra,comosechega(seéquesempresechega)umadecisãofinal(votoaberto,fechado,maioria)etc.Comosoiacontecer,asprópriasperguntasdistinguem‘política’de‘religião’,buscandosuas conexões, e a própria pergunta de base já colocaria, nas Américas, pelomenosumproblema.Se as considerações feitas até o momento poderiam nos levar até aabandonar totalmente o uso do termo “política”. Por outro lado, poderia serincluídaentre as “categorias de ida y vuelta” de que fala Carneiro da Cunha(2009:312), já que a palavra “política” faz parte do vocabulário dos índios noBrasil, e cada vezmais.Atentemosao empregoque fazemdessapalavra edeseusderivados.Dizem,porexemplo,que“émuitapolítica”parasereferiremaambientesdediscussão,ouque são “bonsdepolítica”osque sedestacamnomovimentoindígena.“Bomdepolítica”ésinônimode“bomdebriga”.Muitasvezes dizem “política” quando se referem ao que assim denominamos, efrequentementedeclaramqueécoisadebranco72.“Tem política dentro da CASAI e isso atrapalha muito os indígenas”,diziaAikyryWajãpi(DiálogosAmeríndios–CEstA–07.10.14).ParaosMiskitu, 72 Notável que as etnografias que se afastaram declaradamente de indagações quanto à“política”mantenhamotermoemseuscapítulosiniciais,ondeacontextualizaçãodopovoedapesquisa traz à baila a "nossa" política, reencontrarando assim o mesmo uso que fazem dotermomuitosíndios:quandosediz"política",édanossaquesetrata.Emboranãopelasboasrazões,istoé,porrazõesameríndias:poisoquepoderiaserapolíticadosíndiosfoijustamentedeixadodelado,emnomedoqueseriasuacosmologia. 99 “viver bem” supõe a ausência do que chamam de “política”, em inglês (suasegunda língua); Jamiesonregistraaindaemnotaquequandoalguémdeclara“nãogostardapolíticadealguém”,issosignifica“thatonedoesnotlikethewaythey either use or manipulate others or conduct interactions with them”(JamiesoninOvering&Passes2000:83,93).Emqualquerlínguaocidental,osíndios parecem reservar o termo “política” a atitudes da nossa política queconsideram opostas ao que têm por costume (como também dizemfrequentemente)emsuasinterações.Um conjunto de traços compõe esse afastamento diferencial. Para“resolver assuntos de alguma importância”: entre nós, realiza-se um debatepúblico. A exposição pública do dissenso é tida, emmatéria de política, porsalutar. Os índios, ao contrário, parecem todos evitardiscutir empúblicoos“assuntos a resolver”, e o confronto público equivale a uma declaração deguerra.Demodogeral,comoaconteceentreosKaxinawa,Não sãodadosaumconfrontoverbal caraa cara:basta-lhesumbrevecomentárioemseucírculodeparentesmaispróximos,paraqueanotíciaseespalheporoutrasrodasdeconversa”(Yano2014:35)ForanyCheyenneleadertospeakoutofangerandprotestadecisionoftheChiefsCouncilwasunfathomable.Thehumble,peaceful,andpassivecouncilchiefsandkeepersdidnotengageinarguments,especiallywitharrogantpersonalities”(Killsback2011:98)Il faut convenir qu’on procéde dans ces Assemblées [du Conseil desHurons] avec une sagesse, une maturité, une habileté, je dirai même,communément,unematurité,quiauroientfait l’honneuràl’Aérophaged’Athênes, & au Sénat de Rome dans les plus beaux jours de cesRépubliques. C’est qu’on n’y conclut rien avec précipitation, & que lesgrandes passions qui ont si fort altéré la politique, même parmi lesChrétiens,n’ontpasencoreprévaludanscesSauvagessurlebienpublic(Charlevoix1744:269-70)"Democraciaéanti-cultura,éomododeorganizaçãodobranco",disseSebastião Duarte, tukano, ex-liderança da FOIRN (apud Soares 2012),apontando a eleição como um de seus elementos. Se "política" como elesdizem,éanossa,parabrigar(conosco)éporqueasalémdenossas“práticasde 100 assembleia”secaracterizampelodissensopúblicoe,alémdissopautam-senumvoto individual e, correlativamente, decidem por maioria. Os índios tomamdecisõesporconsenso73. Falando a partir da comparação entre casosnorte-americanos,O’Brienresume:“The ideas of majority rule and minority rights [...] were politicalconceptsnotusedin[Indian]governingsystems.Tribesmadedecisionsbasedonconsensus[...]Sinceunanimitywasnecessary,dissentionanddisharmonywereavoided”(O’Brien1989:16)Entre os Comanche, "usually issues were discussed until consensus wasachieved". (Harris et al. 2001 : 115). O “conselho” tribal Lakota, composto de“former headmen, hunters, warriors, and shamans [...] could act only byconsensus”(O’Brien1989:25).EntreosOnondaga,“ideally,finaldecisionswereunanimous.Allcouncilmembersweretobeof‘oneheart,onemind,onelaw’”(O’Brien 1989:19), como entre os demais Iroqueses. Pois embora os iroquesessejam tidos como “pais” da democracia americana, no famoso conselho dossachems só havia voto consensual. E cada um deles, por sua vez, ali estavacomoporta-vozdeumconsensoanterior.“Therequirementthattribalandconfederacydecisionswereunanimousmeant that leaders had to consider and balance all viewpoints. In theIroquoisLeague,rulebycouncilconsensusdidnotmeanrulebyafeworevenbyamajority,butrulebyall”(O’Brien1989:20)Nas descrições do conselho, não é incomum que afirmações do tipo “aunanimidade era imprescindível” sejam transformadas em “cada tribo tinhapoder de veto”. A linguagem aproxima o processo a uma eleição.Mas não énemdevotonemdevetoque se trata;o importanteéqueasdecisões sejamunânimes.Algunsexemplosmostramclaramenteessadisparidadeentreos“modostradicionais de governo” - como costumam chamar à política os “nativescholars” dedicados ao tema - emodos de organizacão política impostos aosíndiospelaAméricaafora, fundadosnomodeloeleitoral.OsSeneca,umadas 73Penso, aliás,no estranhamento euro-ocidentaldianteda eleição (nov 2012), por aclamação,do único candidato do único partido chinês, cujos delegados se declaravam honrados eprivilegiadosporterempodidoparticipardessemomento“democrático”.Emvezdedeclararemo fosso entre a democracia e eles (anti-cultura, como diz Sebastião Duarte), é como se oschineseso tivessem“retoricamente”anulado, incorporandoapalavra,mascomumconteúdoradicalmentealterado.Detodomodo,aideiadevotoporconsensoaparececomoradicalmenteanti-democrática. 101 naçõesiroquesas,justamente,criaramem1848aRepublicaSenecaeadotaramuma constituição que estabelecia um conselho de 18 membros, eleitoanualmentepelovotomasculino.Asmudanças“alteredbasictenetsofSenecaculture” (O’Brien 1989: 104), entre os quais a participação das mulheres, eprovocaramafissãodogrupoemdoispartidos,odos“AntigosChefes”eodo“NovoGoverno”,estesdefensoresdosistemaeleitoralrecém-adotado.Em1867,osMuskogee também adotaramuma constituição fundada nomodelo norte-americano,enovamenteo sistemadevotoestánocentrodoproblema;aqui,poroutrarazão:“Oneofthegreatestchangesbroughtaboutbythe1867constitutionwasthe system of voting by secret ballot. Under the traditional systemnominations had been made from the floor at council meetings.Nominees then stood in different areas of the council grounds,surroundedbytheirsupporters.Hence,opennessandresponsabilityforone’s opinions were very important element of traditional Murkogeesociety.ManyMuskogees considered the secret-ballot systema seriousdeparturefromtraditionalpractice”(O’Brien1989:127-128)Dissensopúbliconão,masdecisãosecreta,tampouco.apósmaisdeumséculodeváriosgrupostêmcadavezmaisdesejadorecuperarantigas “práticas de assembleia”, adaptando-os ao contexto atual. O sistemaeleitoralsempreestevenocentrodoproblema.Numdessesprojetos,propõe-sequeentreosSliammon“Decision making will be [voltará a ser] by consensus, not quorumvoting.”(Washington2004:599)Rejeita-seaforma-eleiçãodequelhesfoiimpostaporque,segundoeles,provocaodissenso:Thismodernsystem[IndianActelections]hascreateddivision,mistrust,and misguided ideas that lead to conflict in small close-knitcommunities.(Washington2004:600)Osprocessosdeimposiçãodeprocessospolíticosaosíndiosverificam-seaqui.EntreosGuaranieKaiowá,comoemmuitosoutroscasos,soluçõesimportadas,comoaseleiçõeseoestabelecimentodemandatosfixos, limitados, vão sendo adaptadas (traduzidas) [...] Há aldeias queorganizam processos de eleição do cargo de capitão; outras que jáaderiram à forma conselho imposta, em alguns casos, pela FUNAI, em 102 dadosmomentose,emoutros,poriniciativadosprópriosindígenas[...]Ondeháeleição,varia-seentreoconsensoeovotopormaioria,eentreum mandato pré-definido ou não. Quase sempre, está posta apossibilidadederevogaçãoautomática(Pimentel2012:148).Comoobservaemnotaoautor,estaúltimacaracterística,do“mandatorevogável a qualquer momento” é “uma espécie de tabu para a democracialiberal–masnãoparaossistemasameríndios,comosabemos”(id.,ib.).Nessesexperimentos em curso, pode bem ser que ocorram dificuldades análogas àsencontradaspor índiosnosEstadosUnidos,no sistemade eleições enovotopor maioria. Pimentel elenca uma série delas, e mostra como as grandesassembleiasAtyGuassu“emulamasfestas”:Nãohá[...]noite[emque],logoapósofimdaassembleia,queduratodoodia,nãoserealizeumagrandeconfraternizaçãoemtornodasrodasdecanto e dança. Grandes reuniões de rezadores presentes ao eventotambém acontecem e [...] os cantos [podemdurar] até demadrugada.Em paralelo, os jovens se reunem nas brincadeiras [...] queproporcionam muitas risadas, frequentemente, até o dia raiar [...] éfundamental que os anfitriões da Aty Guasu forneçam a chichanecessária parao surgimentodas rodasdedança (Pimentel 2012:262;termosnativosomitidos).Comoemtantosoutroscasos,asassembleiasàmodadosbrancos,bemcomoasoficinas, permitem a realização de grandes festas, finalmente, com gente demuitolonge,quedeoutromodoseriamimpossíveis(Pimentel2012:262).Maisdo que seguir o velho modelo das festas, essas novas formas indígenas de“s’assembler” continuam sendo festas. Notável que as reuniões de conselhostribaiscriadosnocontextodasrelaçõescomestadosnacionais(comoosTribalCouncils norteamericanos e as Aty Guassu) se pareçam tanto com as doConselhodosSachemsiroquês.Valeriaapenacompararessasnovaseantigasvariantesdeconselhoentreosíndios.Voltemos ao consenso, agora como base da “autoridade” de um chefe.Aparece como característica fundamental das “falas públicas” ameríndiasrelativas a “assuntos de interesse comum”. Chefe opera pelo consenso e deleseráporta-voz. 103 EntreosComanche:"Leadersfunctionedprimarilyasfacilitators,consensusbuilders,andannouncers of decisions. In general they had little or no decision-makingpowerof theirown, though theydidexert some influence".(Harrisetal.2001:115).A história do chefe crow One-Eye, contada por Lowie, é especialmentereveladora, por mostrar que mesmo um chefe guerreiro, longe de “issue anarbitrarydecree”,pedeaseuspossíveisseguidoresquedediquemalgumtempoapensarsequeremsegui-lo.Estes,“afterpondering”,declaram:“Nowweshalldecide;youareourchiefandwe’lldopreciselywhatyousay”.Aoqueochefereplica:“Wellboys,youhavebiddenmetodoasIplease.Ifirstaskedyoutodoasyoupleased,butyoudeclined.IfInowdoasIwish,donottalkincriticismaboutit(Lowie1935:8).Emmodode“contratosocial”,éumadecisãoconsensualquetransfereparaoochefe as escolhas de um grupo que, doravante, não poderá discordar dele.Note-sequeocontextoédeguerra:sósepodeaceitarseguirsemdiscutirumchefenafunçãoguerreiro.Anecessidadedo consenso implica, inclusive, numa relativa “lentidão”dosprocessosdecisóriosdos índios;constantemente lamentadapelos inglesesnaAméricadoNorte,porexemplo,quandoseviamdiantede“representantes”que nada representavam e não podiam decidir nada, o que os obrigava aesperar,àsvezesanos,pelopróximoportadordoconsenso(ounão)atingido.Nãosedecidepormaioria,nãosedebateempúblicoeasdecisõeslevamtempoparaemergiremepoderemserdeclaradasporalguém.Com a tradução (épica) que faz Clastres da fala de um líder Guayakivoltamos do chefe-guerreiro ao chefe-anfitrião, mantendo o consenso comofundamentodoprestígiodochefe,ematériadesuaoratória:'Eu,Jyvukugi,souseubeerugi,oseuchefe.Estoufelizemsê-lo,poisosAche necessitamdeumguia, e euquero ser esseguia.Proveioprazer de dirigi-los, e quero prolongar esse prazer. Continuarei adesfrutá-lo enquanto vocêsme reconhecerem como seu chefe. Voueu impor a força esse reconhecimento, entrar em luta com vocês,confundiraleidemeudesejocomaleidogrupo,afimdequevocêsfaçam o que eu quero?Não, pois esta violência nãome serviria denada: vocês recusariam esta subversão, vocês cessariam, nomesmo 104 instante,deveremmimseubeerugi,vocêsescolheriamumoutroeminha queda seria tão mais dolorosa que, rejeitado por todos, euseria condenado à solidão.O reconhecimento que sem cessar devosolicitarde vocês, euoobtereinãodo conflito,masdapaz,nãodaviolência, mas do discurso. Eis por que eu falo, faço o que vocêsquerem,pois a leidogrupoé aquelademeudesejo; vocêsdesejamsaber quem sou eu: eu falo, me escutam, eu sou o chefe' (Clastres1972a,p.67).Digooque vocês querem, falo eme escutam,porque sou chefe, “alto-falante” da turma. Valdomiro Krak reafirmava a incompatibilidade entre o“decreto” e a liderança entreos índiosquando faziaquestãoda concordância“dacomunidadetoda”parasucederaseupaiDinizcomochefedaaldeiakrahôdoRioVermelho.Nãolhebastavaqueopailhe“entregasse”ocargo.Demodoque este “combinou com a turma” e, quando todos “ficaram de acordo”,entregouachefiaparaofilho(Lazarin&Silva1989:23).Umaéticadapalavradeterminaigualmenteacontrariedadeentreovotoindividual e as práticas índias de assembleia: é muito comum que certaspessoasnãofalemempúblico,vergonha,estarautorizadoadizercertascoisas,etc.Quando índios atuam no ambiente de nossa política, tem de agir nachave da guerra, não mais de borduna, mas de palavras, como bemdiagnosticam(epraticam)osKayapó.Nãoqueinexistamembatesdepalavrasnoutroscontextosdasvidasdosíndios.Muitopelocontrário,odueloverbaléextremamente desenvolvido entre eles. Mas tendemos a chamá-los“cerimoniais”,justamenteporqueenvolvemoconhecimentoecorretaexecuçãodeestritosecomplexosprotocolos,compartilhadosporambosoponentes,queem muitos casos atenuam ao longo da conversa a oposição inicialque osseparava. Mesmo no caso Yanomami, em que a troca de Do diálogo cativo-matador entre os Tupi da Costa aos diálogos dos Achuar (etc), percebemosnessas guerras de palavras declarações de oposição que se transformam emconexão e anizade. Todas constituem processos de festa, na contramão daguerra. 105 Osmecanismos do consenso supõem, finalmente, um sem número deconversasaopédofogo,visitas,apresentaçõesdepontosdevistaedebatesquenãoocorremno "espaçopúblico". E aí,mais uma vez, embaralham-senossos"público"e"privado".Poisnoscusta,aparentemente,entenderquea"política",comoprocessodedebateedecisãoda "coisapública",nãoocorrenoquenosparecem ser as ágoras ameríndias – onde são feitas declarações públicas. Odebate ocorre em contextos que classificamos como domésticos, familiares,privadoseinformais.Enessedebateasmulheres,queanósparecemeclipsadasousimplesmentealijadasda"política",sempretêmumpapelcentral.Nãoénasreuniõesmasculinas,naspequenasegrandesassembleiasdechefesouanciãos,que ocorre o "debate político". Nesses contextos, trata-se de propor ou deanunciar, nunca de debater ou decidir.Daí não haver bate-boca nas “ágoras”ameríndias. Faz parte da etiqueta “política”. Dai um grupo de liderançasguarani ter-se retirado recentemente de uma assembléia quando instalou-seentreoradoresumadiscussãoacalorada.Edaíajustezadeutilizaremotermo"política",sempreemportuguês,comosinônimodediscussãoedissenso,ligadoaumaetiqueta(oufaltade-enãoseriaaprimeiravezqueosíndiosnosachammal-educados) de oposição e imposição pública. A nossa política é mesmofundadanumaconcepçãoexclusivamenteguerreira(hobbesiana)esuaoratóriacertamente se parecemais comuma fala de guerra do que comuma fala decongregação74. 74Falas,dançasecantosficamporreceberadevidaatenção.HáindíciosváriosdequeachaveFesta-Guerratambémospermiteapreender. 106 “ALEGRIA,ALEGRIA!”Fogos da alegria. Chamavam os selvagens toryos fachosou fogos e toryba a alegria, a festa, agrandecópiadefachos.JosédeAlencarIracemaTemrepetidobororoealtoxinguanos, emportuguês,que seus funeraisnão são festas. Choravam os Tupi da Costa a falta que tinham sentido deconvidados que retornavam depois de muito tempo. Choram-se ausentes emortos pela América, muitas vezes em elaboradas formas de “chorocanto”(Cesarino 2008). Os grandes funerais não correspondem ao que poderíamoschamardefestasegundoadefiniçãocorrentede"reuniãoalegreparaaspessoasse divertirem", e é certamente nisso que pensam aqueles que insistem emdistinguir funeraisde festas.Correspondem,contudo,avariantesdoqueaquiproponhochamarde“matrizrelacionalfesta”:gentedolugar=anfitriãoxgentede fora=convidado, oferecimento de comida, realização de jogos, cantos,danças, apresentações, etcE mesmo nesses momentos mais tristes a alegriairrompe às vezes, em atividades consideradas secundárias e paralelas, massemprepresentes.Tristezaemorteandamjuntas.Masseamortalidadenãosepodeevitar,desdeque, comocontamosmitosda “vidabreve” (Lévi-Strauss),instalou-seentreosvivos,suaoposta,avitalidade,temdeserconstantementecultivadanosbonshábitoseéproduzidapelaalegria.“For the Kayapo, participation in ritual should produce happiness”(Fisher 2003:122). Alegria é o que declaram querer os Guarani e Kaoiwá(Pimentel2012).Alegriaéoquequeremosdasfestas,parecemrespondertodos.Nossa dificuldade reside, provavelmente, na evidente produtividade(sócio/cósmico/política/etc. etc.) da alegria e da diversão. Tudo é excessivonumaboa festa, e o excedente por ela produzido é o alegrar-se, coisa que sópode ser feita commuita gente diferente, no consumo de banquetes, jogos,bailes, competições, espetáculos, trocas de objetos, conversas. Apesar das 107 evidências, nós, americanistas, optamospormanter a traduçãode alegria emcerimônia,defestaemrito.Melatti,jánoiníciodeseulivroconsagradoaosritoskrahô,esclarece:[...] a qualquer tipo de festa se aplica o termo amnikhĩ, palavra quesignifica "alegria" [...] creio que, com algumas exceções, tudo o quechamode"rito"nestelivroosKrahôconsideramamnikhĩ(1978:14).Emkalapalo,línguakarib,GuerreiroJr.(2012:22)-queadotaatraduçãoindígenaemportuguês, ‘festa’,eatratacomosinônimode ‘ritual’- registraamesmaconexão:Uso“festa”comomesmosentidode“ritual”,poisosKalapalosereferemaesteseventoscomoailene,“festejo”(daraizaili,“alegria").Emwayana,“laracinewakestlamêmepourlestermesquidésignentlajoie,lagaieté,lebonheur,lafête,lerire”(Chapuis1998:203).Otermoyawalapitiquedesignaoquechamariamos,emgeral,deritooucerimoniaéjumualhi;meusinterlocutorestraduziram-nopar"festa"ou,maisgeralmente,por"alegria"(ViveirosdeCastro2002:70).Em kamayurá, cognatos da palavra para alegria “designam a atividaderitual”(ViveirosdeCastro1986:42;MenezesBastos1993).Édignodenotaqueasmesmasequações linguísticas,eamesmatraduçãoemportuguês,ocorramemlínguastãodiferentes:nosexemplosacima,hárepresentantesdostroncosJê(krahô)eTupi-Guarani(kamayurá)edasfamíliasKarib(kalapaloewayana)eAruak(yawalapiti).Um canela, em entrevista aMarcele Guerra (Guerra 2015), esclarece adiferençaentreafestaesuaausência:- Quando tem festa, e você tá nela, você tá bem, tá feliz. Temmovimento,movimentodealegria.Édedia,táfeliz...Tudotábonitonaaldeia,tem[carne]pracomer,canta,tátudopintado.Aívaipassandoodiaevocêtáfeliz,satisfeito.-Masequandoacabaafesta?- Ahhhhhhh... Aí vai ficando de noite, né? Vai ficando triste, semmovimento...Porexemploagora,olha(eapontaemdireçãoaopátio):tá 108 tudoparadonaaldeiahoje.Aíagentefalaqueéamjikrit.Krit,krit,krit,triste,muitotriste...Éruim,né?Ruimficartriste...Os índios parecem todos concordar que é “ruim ficar triste”. E fazemfestacomoantídoto,parasealegrarem.EntreosCaxinauá,[...] se amorte desafia o peso da tristeza que se pode suportar, faz-sefesta. […] "Quando comemos bem, quando comemos juntos, ficamosfelizes.Vemmuitaalegria.Éporissoquefazemosfesta"(Yano2015:119,125).Domesmomodo,entreosXikrin,[...]villagersmaylobbyforaritualthatwill furnishthemwithfunandexcitement and help alleviate the sadness that pervades the village(Fisher2003:121).EentreosYudjá,Quando não tem cauim, as pessoas, homens e mulheres, são caladas,discretas, parecem tímidas. Quando tem, amam a alegria, a conversaruidosa, as pessoas expansivas e brincalhonas [...] cabe ao marido daprodutoradocauimabrircomalardeoacontecimentoqueeleeaesposavãoproporcionar:atrocadadiscriçãoedocomedimentopelorisoepeladesmedida(Lima2005:219).Amedidadeumaboafestaéaalegria,odivertimentoqueproporciona:If[happinessandharmony]arenottheresultofritual,ashappensnotinfrequently, then the way is open to identify the parts of theperformance that were insufficient. The question goes beyond thecorrect enactment of a liturgy, or actsor utterances im-preciselyreproduced. The feeling of happiness is, after all, experiencedpersonally. Kayapo may judge the culminating feast insufficientlyprovisioned or the dancing and singing lacking in sufficiententhusiasmtoproducethefeelingsthatoughttoresultfromritual.Inotherwords,anevaluationoftheorderinvokedandcreatedbyritualisderived fromfeelings thatKayapoattribute to theperformanceofritual(Fisher2003:122).Oproblema éque a “happiness” queosKayapó e que todos os outros índiosquerempromoveremfestasnãoéum“feeling”75.JamiesonfazumaafirmaçãoarespeitodosMiskitudaNicaráguaquepoderiaserestendidaatodaaAmérica:“[they]donotmakeclear-cutdistinctionsbetweenmindandbodyorbetween 75Paraumapanhadodegrandesvertentesnaanálisedesentimentos,verChapuis(1998:315ss). 109 physical and mental states” (in Overing & Passes 2000:84). Note-se que aformulaçãoda ideia, na chaveda ausência (lembremos sempreo combatedeClastres),evocaarecorrenteimagemde“indistinção”,“fluidez”,“ambiguidade”que povoa as etnografias americanistas. Nem aos Miskitu nem aos outrosíndios76falta distinguir essas categorias. Não há confusão alguma, exceto agerada pela aplicação automática de um sistema (localizado no tempo e noespaço;cf.Mauss)fundadonadistinçãoentre“estadosdocorpo”e“estadosdamente”. Ao contrário, a coincidência de planos que separamos em“sentimentos”, “fisiologia” e “capacidades” tem sido constantementeidentificadaemprocessosdeconstruçãodo“corpo”77edapessoaanalisadosporamericanistas78. A felicidade, a alegria, assim como a raiva e a tristeza, sãoestadosdocorpo.Amji kin, que os Canela traduzem como festa, inclui tudo comqualidadespositivas:feliz,saudável,bonitoe"perfumado";formaumpardualcontraposto com amji krit, que representa tudo com qualidades negativas:doente, feio e "mal-cheiroso" (Marcele Guerra, com. pess.). A conexão entrebeleza e saúde não é exclusividade canela. Alegre é sempre sinônimo desaudável, que é igual a bonito. É ruim ficar triste, dizia o Canela, porque atristezaéestadodoente,eaalegria,aocontrário,estadosaudáveldocorpo.“Obelo e o alegre, por si, curam (e o que cura, por certo, é belo)” diz PimentelacercadosGuaranieKaiowá.PelaAméricaafora,os índiosconsideramqueoqueébeloébomecorreto, acrescentandooaspectomoralaumconjunto já 76E muitos outros povos pelo mundo, por sinal, o que só aumenta a impropriedade daformulação.77 Em que pese o excepcional desenvolvimento de análises do “corpo” e “corporalidade”,sobretudonasterrasbaixassulamericanas,tem-seporvezesaimpressãodequerelativamentepouca atenção é dada, finalmente, ao fato de que “corpo”, como “festa” e tudo omais, nãosignificaamesmacoisaquandofalamosdosíndiosequandofalamosdenós.78Note-sequegrandeparteda"Finale"deOhomemnudedica-sejustamenteadiscutirrelaçõesentre‘pensamentos’,‘emoções’e‘processosfisiológicos’,tendocomomoteafruiçãomusical.AanálisedeLévi-Strauss,nessefinaldasMitológicasnãomaissituadonoplanoamericanista,falaem“unanimidadeorgânica” (Lévi-Strauss 1971:587), referindo-seàconciliaçãoentre sensíveleinteligível propiciada pela música. Valeria uma comparação mais detida com as ideias dosíndiosnessecampo,mesmoporquemúsicaéalgoquenãopodefaltarnafesta.Sejacomofor,olugardo“corpo”naobradeLévi-Straussnãotemrecebidoaatençãoquelheédevida.Afinal,umaafirmaçãocomo“l’analysestructurale,qued’aucunsrabaissentauniveaud’unjeugratuitet décadent, nepeut émergerdans l’esprit queparceque sonmodèle est déjàdans le corps”(idem:619)estálongedeserbanal. 110 bastante complexo para nossas classificações. O círculo se fecha com aafirmação acerca dos Tzeltales, de que “en una perspectiva indígena, lamoralidad está depositada en el cuerpo” (Pitarch 2013:167). Aboadisposiçãofísicaé,defato,sempreconsideradacomoindíciodequalidadesmorais.Festas fazemcorposalegresesaudáveisebelos, incluindosempreumasérie de “disciplinas do corpo” (Mauss), notadamente dança e canto, muitofrequentemente competições. Aliados ao alimento, à bebida, ao estar junto,essesprocedimentosdefazer‘corpos’sãoantídotoparaatristeza-ecombatemdoenças,lemosemmuitasetnografias.Asduasformulaçõestraduzemamesmacoisa, jáque tristezaédoença.Podematé, comoentreosMbyá, fazer corposimperecíveis:[...]todososprocedimentoscorporaisqueemulemomododevidadasdivindades,quemodulemnocorpodosGuaraniascapacidadesinscritasnoscorposdasdivindades,comoosseusrituais,asuafala,ohábitodecriar queixadas, de brincar com as petecas, de praticar a dança doxondaro, tudo isso contribui para atingir o estadode imperecebilidadecorporal(aguyje)(Pierri2013:215-216).A não ser pela criação de queixadas, todas as mais “disciplinas do corpo”mencionadassãoexercitadasemfestas.Oaguyje–,prossegueoautor,[...] é um processo contínuo de maturação a se perseguir em vida.Dependedeumregimealimentarespecífíco,[…],énecessáriaaalegria(-vy’a), propulsionada pela prática de rituais, enfim toda uma gama depráticascorporaisquedemaneiranenhumaremetemaumaevasãodavidana terra, comopareciadefender a literatura, emenos ainda aumdesejodemorte(Pierri2013:217).Comefeito,noextremoopostodamorte(eporissomesmosemprecomela)79,aalegria(-guerovy’a)éoobjetivodos“rituais”edeoutraspráticas:[...]atividadescorporaisrealizadasforadacasaderezas,equetambémtrazem alegria, são realizadas pelas divindades em suas moradas, e 79ModificandoligeiramenteRabelais,citadoporLévi-Strauss(1971:481),nãopoderíamosdizer:Uma vez entendida essa regra lógica, tomai os contrários alegria e tristeza, e depois festa eguerra,poissãofisicamentecontrários;seguerrasignificatristeza,festahádesignificaralegria?Sim e não, finalmente - há muita choradeira em festa, muitas são de luto, todas podemdesandaremtristeza,guerreirostambémsedivertem,etc.Nada,nopensamentodosíndios,étotaloudefinitivamenteumacoisaououtra.Seforcoisadevivo,bienentendu. 111 devemserreplicadasnaterra.NosseuspátiososTupãdançamotangaraouxondaro,dançaritualquedeveserpraticadapelosGuarani todasastardesantesdeentrarnacasadereza.Ouviduranteumadessaspráticas,ocaciqueexplicandoàscriançasqueelasdevemdançardaformacomoele as ensinava, pois é assimqueosTupãKuery fazemem seuspátioscelestes, e vendo os Guarani dançarem damesma forma ele saberiamque se tratam de parentes dele. O mesmo disseram-me arespeito dabrincadeira com peteca, que os Guarani identificam como uma daspráticasquedevemvalorizar(Pierri2013:139).E com a “brincadeira” da peteca reencontramos outra palavra que osíndiosusam,aoladode“festa”(o“movimento”dequetantogostamosTimbirafaz parte da família), onde as análises buscam apreender “rituais”. De todomodo, se as festas dos índios têm por tanto tempo sido desmontadas porcategorias que lhes são alheias, transbordando-assempre, também há de serporque a alegria é algo que uma “sinistra concepção de natureza humana”(Sahlins 2008) afastou entre nós da “vida pública”. Quando a alegria semanifestanoplanocoletivo,émuitasvezestomadacomomarcade“ritualdeinversão”. As festas dos índios, antes, teriam de ser chamadas “rituais dediversão”80.Comoemtantos(todos?)outroscasos,[...] toda la narrativa wichi [Mataco – Chaco] explica el porque de lascosasydelmundo,aunquemuchasveceslohaceenuntonotanjocosoquemásparecencuentosdedivertimiento(Terán1999:12;itálicomeu).Se o autor da citação acima parece um tanto incomodado com o queseriaumacontradição–formuladaemadversativa-entreagravidadedetemascomo a origem do mundo e a risada, Viveiros de Castro já apontava que a“noção de alegria” tem entre os índios “uma ressonância filosófica profunda”(Viveiros de Castro 1986:42), e Overing partia da constatação de que “ribaldhumor isan integralaspectof the tellingofmyths” (2000:71).MasClastres játiveramuitoantesoinsightpioneironessadireção,numartigointitulado“Dequeriemosíndios”(1967),textoqueabrecomumasaudaçãoàseriedadecomqueLévi-Straussencarouopensamentodosíndios(nasMitológicas)enoqualoaspectocômicodosmitosédevidamentelevadoasério.Masnemmesmoele, 80Tantopordivertiremquantoporoperaremeproduziremtodasortededivergência. 112 grande positivador de estranhezas dos índios, conseguia evitar a adversativa(néanmoins):Nonmoinssérieuxpourceuxquilesracontent(lesIndiensparexemple)que pour ceux qui les recueillent ou les lisent, les mythes peuventnéanmoinsdéployeruneintentionmarquéedecomique,ilsremplissentparfois la fonction explicite d’amuser les auditeurs, de déclencher leurhilarité. Si l’on est soucieux de préserver intégralement la vérité desmythes, il faut ne pas sous-estimer la portée réelle du rire qu’ilsprovoquentetconsidérerqu’unmythepuisseàlafoisdechosesgravesetfairerireceuxquil’écoutent(Clastres1967).Masemboraotextoconcluacomo“gaisavoirdesIndiens”,aanálisedosmitoschulupiprocuramostrarqueanarrativamíticafazrirjustamentedaquiloque,navida“real”,nãodeveserlevadonabrincadeira,operigosopoderdexamãsejaguares.LorsquelesIndiensécoutentceshistoires,ilsnesongentnaturellementqu’àenrire.Maislecomiquedesmythesnelesprivepaspourautantdeleur sérieux. Dans le rire provoqué se fait jour une intentionpédagogique: tout en amusant ceux qui les entendent, les mythesvéhiculent en même temps et transmettent la culture de la tribu(Clastres1967).Apesardaintuição,omovimentodotextolevadevoltaaquestõessérias,e a diversão é mero instrumento. Do mesmo modo, na obra de Clastresacabaramprevalecendoasoperaçõesdeguerra,eaalegriaperdeuolugar.Restaque os índios “aiment s’amuser”, como diz Chapuis (1998:442) dosWayana.Gostamderiredeprovocarrisadase,correlativamente,gostamdegentequeriequefazrir.[...]j’aiobservéentreeuxque,commeilsaimentleshommesgais,joyeuxetlibéraux81,parlecontraireilshaïssenttellementlestaciturnes,chichesetmélancoliques(Léry1580:123). “Laughterandtheludic”-pontuaOvering,obviouslyplaya largepart intheeverydaylifeof[Amazonian]peoples,somuchsothatitbecomesanimportantcluetotheverydistinctivenessoftheirsociality.WhythenhavewepaidsolittleattentiontotheroleoftheludicinAmazonia?(Overing2000:64). 81Alegre-generoso.Alegria=beleza=atitudecorreta=generosidade. 113 AafirmaçãoeaperguntapodemserestendidasàAmérica.Mas,então,porqueesseóbviocultivodohumorentreos índiosnãotemnareflexãoamericanistaumlugardehonra? Num raro momento em que um americanista se debruça sobre aquestão,Lagrou(2006),inspiradaemOvering,resume:Ao começar uma reflexão sobre o lugar do riso na tradição filosóficaocidental,constata-seumparadoxo:opensamentoacadêmicodáprovadeumahistóricafaltadesensodehumoredemonstraumadificuldadedepensarorisoeorisívelcomotemasrelevantesemanálises“sérias”desistemassociais,políticosoucosmológicos(Lagrou2006:57).Overing localiza em processos históricos europeus uma crescentecontençãodorisoedohumoremfavordeatitudesgravesesériasquandosetrata de questões importantes, como a política, por exemplo (a “sinistraconcepção”dequefalaSahlins2008).The human sciences have of course been affected by these trends [...]The ludic is not expected in other peoples’ religious, political andeconomic life. Or, if there, it is considered banal, irrelevant – orinappropriate–tothestudy(Overing2000:66).Com o olhar atento exatamente para o ‘irrelevante’, como queduplicandoaperspicáciaquereconheceemLévi-Strauss,Overingrelacionademododiretoalegriaechefia:It is forgood reason thatoneof themaindutiesofgood leadership inAmazonia is to create andmaintain thehighmoraleof the group. [...]Lévi-Strauss, inan incisivemomentofsocialastutenesswhentrying tounderstand the reason for anAmazonian chief among such egalitarianpeoples,notesontheNambikwaraleaderthat‘hemustbeagoodsingeranddancer,amerrymaker,alwaysreadytocheeruptheband’[...]It ismyargumentthat ispreciselythroughtheseludicskillsthattheleaderenablescollectivityamonganotherwisevehementlyanarchicpeople. Itis the leader who, in large part through his skills for merriment, forjesting, clowning and dancing, provides the impetus, and even thepossibility, for these peoples to fulfil their desire for collectivetogetherness,orunion(Overing2000:67;itálicosnooriginal). Emrelaçãoaopressupostodequeaigualdadecaracterizaassociedadesamazônicas-etodasassociedades indígenasamericanas,excetoaschamadascivilizações –, não me estenderei, uma vez que o ponto é desenvolvido 114 alhures82 . Aqui basta enfatizar que todas elas são máquinas de diferir; aigualdade, nesses sistemas, qualquer que seja a sua acepção, é amorte83. Porisso mesmo, parece-me que a ‘união’ – isto é, suspensão de diferenças - écertamentemaisprojeçãonossaqueefetivamentedesejodeles84.Iluminadora,aocontrário,éapercepçãodequeumchefeíndiotemdesaberrirefazerrir;poisessaqualidadedemestredohumoredoriso(Overing2000:68,76)deveriacertamente fazerpartedas listasdequalidades requeridasdeumcandidatoachefe.Hádetersidoportodosjulgadairrelevante.Overingdesenvolveaideiadeuma“artofmerriment”cultivadaentreosPiaroa,arteessaquetemsuasregras:nãoseridequalquercoisa,emqualquerlugar,dequalquerpessoaetc.OveringfinalmenteseaproximadeClastres,cujoartigo sobreo temacuriosamentenãoé citado, aoprocurar enfatizaroefeitofertilizador, regenerador e moralizador do humor na narração mítica, aoenfatizar um “poder” do riso que, finalmente, soa como catarse. À mesmaconclusão somos levados por Lagrou: “ri-se do próprio medo e do próprioconceitodepoder”(2006:61).Somosfinalmentereencaminhadosàsisudezquetodoscomeçamlamentandonomodocomoorisoeohumortêmsidotratados:osmitoscarregamlições,dizemostrêsautores,“ébrincandoqueseaprende”(Lagrou2006:76).Definitivamente,nãoparecemossercapazesde levaralgoasériosemimaginarquealgosérioseescondapordetrásdeaparenteslevezas.Beaudet(1996),queencaraosdiversosrisoswajãpidopontodevistadaetnomusicologia,chegaaconclusõesmaisinspiradoras:Rirepeutexprimerune joie,un jugement,unedéfense,unplaisir,etc.,mais,dansl'exemplewayäpi,c'estaussicréercetteopposition,larecréeràchaquefois,àtraversuneexpérienceetuncodemoteursetsensibles.Àtraversdistinctions,variantesetsubtilités, rireapparaîtdonccommeune manière de remodeler des idées fondamentales, de véritablement 82Artigo em elaboração, provisoriamente intitulado “A ilusão hierárquica nas Américas”, emcolaboraçãocomPedroLollieAndréDrago.83Diga-se que Clastres tinha clareza, pelo menos em algumas passagens, de que tomava otermo desigualdade numa acepção muito precisa, e que de fato não caberia aos índios: suapergunta,afinal,diziarespeitoaosurgimento,“noseiodeumasociedadeprimitiva, istoé,deuma sociedade não-dividida, [d]a nova divisão dos homens em dominantes e dominados”(1974).84Assimcomoo suposto sonhodo entre-si, queno americanismoparece começar comLévi-StraussemAsestruturaselementaresdoparentesco,erecorrentenaobradeOvering. 115 penserenbuvantde labièreet enplaisantant.CesTupi sontdesgensquipensentenriant.[…]Quellesquesoientlesmultiplessignificationspossiblesdurire,celui-ci,on le sait bien, marque d'abord la joie : pour les Wayäpi, cetteaffirmation d'eux-mêmes, cette auto-célébration d'une personnecollectiveestuneformedejoie.CommesouventenAmériqueindigène,l'euphorie est à la fois une valeur explicite et un état recherché.Destination de toute réunion de boisson, petite ou grande, l'euphoriepeut être associée aux situations les plus cérémonielles. Lorsquecertainesconditionssontréunies(pourlesWayâpidunord:lebien-être,l'abondance,peudeconflitsdanslevillage,etc.),alorsonproduitunrirequi enmême temps désigne, nomme,modèle, fait l'euphorie (Beaudet1996:94,96).ComojádiziaClastres,trata-sede“biencomprendrecequiprécisément,[…]divertit lesIndiens”(Clastres1967),ou,comopropõeOvering,trata-sedeconstruiruma“perspicaciousanthropologyofhumour”(Overing2000:79).Paraisso, não podemos nos manter no conforto do riso que conhecemos. Muitopoucosabemossobreoqueosfazrir,menosaindaoquepodemseraliorisoeaalegria.Pode-se verificar o cultivo da “arte de alegrar” de que fala Overinginclusiveem “novas formaspolíticas”comoaFOIRN,cujas liderançasdevemdesempenharuma função que, apesar de não ser mencionada diretamente nemconstarnosprérequisitosestatutárioséobservadanamaiorpartedasações domovimento indígena rionegrino: a de cumprir suas tarefascomhumoredeslocarconstantementeasdificuldadesesucessosparaum plano onde se pode rir deles. Assim, siglas novas viramtrocadilhos, sobrenomes homônimos sugerem relações fortuitas,fracassosemsériedemonstramquemesmoquenãohajadomíniodoassuntosempreháalguémmaisperdido,característicasindígenassãocomparadas a outros povos sempre apresentados commuito chiste.Isso emum contexto que se trata de questões sérias e importantes.Poucos momentos que formam tamanha coletividade e união nasatividadesdaFOIRNcomoafaladeumaliderançarepletadehumor.Estehumortememseurepertório,entreoutros,aironia,ahistória,ainterpretação de atualidades/notícias, o parentesco, os mitos, asrelaçõesentrediferentespovos–indígenasounão–eatravésdeleascontingênciasentramnodomíniodoexplicado,oudoqueéesperado.Alémdisso,nasreuniõesoucursosdemaiorduraçãooumesmoparacobrir atrasos na programação sempre designam os chamadosanimadores.Osanimadores fazemdetudo,unsrezam,outroscriam 116 dançaseexercícioscorporaiscoletivosmasomaiscomumécontarempiadas, ás vezes em série: um está terminando uma piada e já temoutroesperandoparacontarasua(RenatoSoares,com.pess.).Obobodacorte,observa(Overing2000:66),desaparecenocomeçodaeramoderna.Dignodenotaqueasgrandesfestaspopulares,indissociáveisdapolíticadasrealezaseuropeiasmedievais(Perrone-Moisés2008a;2014)tenhamsidoabolidasaomesmotempo. O deliberado cultivo da alegria e do bom humor por parte dos índiospode ser apontado como uma das “tecnologias de sobrevivência ao fim domundo” de que fala Viveiros de Castro (Conferência Curt Nimuendaju, USP,06/12/13)–talvezatésejaaprincipaldelas.Emtermosmuitosemelhantesaosutilizados por ele, Gross, antropólogo anishinaabe, faz a conexão de modoexplícito:Once it is understood that the worldview of the Anishinaabe isessentially comic, the comic vision can be used to show continuitybetween traditional andmodern culture. Further, an understanding ofthecomicvisioncanhelpexplainhowAnishinaabecultureisrecoveringinthewakeofwhatIcall‘PostApocalypseStressSyndrome’.AlongwithmanyotherNativeAmericanpeoples,theAnishinaabehaveseentheendofourworld,whichhascreated tremendous social stresses.ThecomicvisionoftheAnishinaabeishelpingusovercomethattraumaandhelpsexplainhowwearemanagingtosurvive(Gross2002:437).Coisas importantes e seríssimas são feitas - é essa a desconcertante(estonteante)liçãodosíndios-cantandoedançando,rindo,comtransbordantealegria. Eis aí algo que nos ajuda a "problematizar nosso presente, e umapropostadefuturo"(Goldman&ViveirosdeCastro2008).N“omundopossívelque seus [ameríndios] conceitosprojetam” (ViveirosdeCastro2002:123), comos contrários faz-se também muita festa. Clastres afirmava que "a guerra écontraoEstado"(2004:273).Afestanãooémenos. Sendocontra"oEstado",essassociedadesnãosãonemprimárianemexclusivamente"sociedades-para-a-guerra" (Clastres 1980:206). As sociedades indígenas das Américas, para 117 retomaraformulação-elheacrescentaro"outrolado",quenuncafaltaaqui-sãotambém,enamesma(des)medida,sociedades-para-a-festa.Deixei a aldeia timbira da Cachoeira pela última vez trazendo umpresente duplo que só fui compreender plenamente ao escrever esta tese,emboraelatodajáestivesseali:umabordunaeumbastãodemestredefesta.Lárecebinomesmehinquemefazemwakmeye,metadedaestaçãodaschuvas.Mas é na seca que a vida é mais alegre, visitas vêm e vão, organizam-se asfestas. Terei escolhido nesta tese o eixo do verão, como tantos membros degruposentreosíndiosfazemenfeiteseprestamserviçosaos“dooutrolado”.“Vamoscontinuarfazendofestas,sim.Estamosvivos,nãoé?”(MerekukuAparay2015)"Aalegriaéaprovadosnove!"(Andrade1928)Piratininga,ano464dadeglutição–festiva–dobispoSardinha. 118 BIBLIOGRAFIAAMARAL,RitadeCassiadeMelloPeixoto1998a “Asmediaçõesculturaisdafesta”.Mediações.RevistadeCiênciasSociais3(1),pp.1998b “Festa à Brasileira - Significados do Festejar no País que 'Não é Sério’ “. 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